O PL do streaming no Senado: quem quer o quê?
Após a votação na Câmara, as entidades API e Strima divulgam críticas ao texto aprovado
Por Juliano Domingues*
O resultado da votação do Projeto de Lei n.º 8.889/2017, mais conhecido como “PL do streaming”, no dia 5 de novembro na Câmara Federal, motivou manifestações de diferentes grupos interessados nas fatias do bolo da regulação desse mercado no Brasil. Para fins analíticos, vale focar em dois deles: a Associação de Produtoras Independentes (API) e a Strima. Afinal, o que querem esses atores?
A API reúne produtoras independentes de audiovisual de alcance nacional. São 294 empresas distribuídas em 25 estados e no Distrito Federal, com forte presença no Sudeste (45,6%) e no Nordeste (24%). É, hoje, a principal entidade representativa das empresas brasileiras que produzem conteúdo de forma autônoma em relação às plataformas e aos grandes grupos de mídia.
No debate sobre o PL, a API sustenta uma agenda estruturada basicamente em torno de cinco eixos: alíquota de 12% para a Condecine-Streaming; limite de 30% para abatimentos; cota de 20% de obras brasileiras nos catálogos; reforço da regionalização; e garantia de proeminência para obras independentes. Após a votação na Câmara, a entidade divulgou críticas ao texto aprovado. Considerou, por óbvio, a alíquota de 4% insuficiente, apontou que os mecanismos de desconto podem reduzir a arrecadação destinada ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e manifestou preocupação com o risco de concentração de investimentos em grandes players, em detrimento dos pequenos produtores. Também questionou dispositivos que equiparam formatos curtos a longas-metragens no cumprimento de cota e a possibilidade de plataformas vinculadas a grupos de televisão descontarem parte da produção própria.
A Strima, por sua vez, representa os principais serviços de streaming que operam no país. Entre seus membros estão Bandplay, Disney+, Globoplay, HBO Max, Netflix e Prime Video. A associação se apresenta como um ator voltado à promoção de diálogo institucional e à defesa de um ambiente regulatório que garanta previsibilidade, segurança jurídica e continuidade dos investimentos já realizados por essas plataformas no audiovisual brasileiro.
Antes e depois da votação, a Strima publicou notas públicas criticando pontos centrais do substitutivo aprovado na Câmara. A associação considera inadequado o aumento da Condecine-Streaming de 3% para 4% e a redução para 2% da alíquota aplicada a plataformas de compartilhamento de vídeo, classificando essa diferença como uma assimetria injustificada entre atividades que coexistem no mesmo ecossistema digital. Também argumenta que a duplicação da cota de conteúdo brasileiro desconsidera dados da Ancine sobre capacidade de produção, e que intervenções sobre sistemas de recomendação podem prejudicar a experiência dos usuários.
A entidade critica ainda a ampliação das finalidades do FSA para criadores de conteúdo digital e afirma que o texto aprovado ignora contribuições técnicas acumuladas ao longo do debate legislativo, introduzindo obrigações que podem comprometer previsibilidade operacional e gerar distorções de mercado.
Ainda que ambos os grupos tenham demonstrado insatisfação, é possível identificar, em uma escala de alinhamento entre expectativas e resultados, uma maior proximidade do texto aprovado com as demandas da API do que com as da Strima. As cotas, a obrigatoriedade de proeminência, a destinação regional de recursos e a modelagem da Condecine-Streaming dialogam com posições históricas das produtoras independentes, ainda que em níveis inferiores ao que defendem. Já no caso da Strima, o substitutivo aprovado se afasta de reivindicações centrais da associação, especialmente ao ampliar obrigações, estabelecer alíquotas consideradas assimétricas e incorporar dispositivos que, segundo a entidade, não foram suficientemente debatidos ao longo do processo legislativo. O jogo segue, ainda em aberto, no Senado.

*Juliano Domingues é presidente da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), pesquisador CNPq e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e da Universidade de Pernambuco (UPE).





