Sobre jornalismo, influenciadores e performance

Resultados do relatório atual do Instituto Reuters merecem atenção das escolas de comunicação, devido à crescente conquista da atenção pública, num cenário positivo para os criadores independentes

Atualizado em 26/11/2025 às 08:11, por Redação.


Por Juliano Domingues*

O Reuters Institute for the Study of Journalism (RISJ), da Universidade de Oxford, em parceria com a Google News Initiative (GNI), divulgou recentemente um estudo precioso. Trata-se do relatório “Mapping News Creators and Influencers in Social and Video Networks”. Os resultados merecem atenção não apenas das empresas jornalísticas, mas sobretudo das escolas de comunicação.

O estudo busca compreender uma transformação estrutural na forma como a sociedade consome informação. A partir de dados coletados em 24 países, o relatório revela um cenário em que os criadores independentes (jornalistas, youtubers, tiktokers e comentaristas digitais) conquistam uma fatia crescente da atenção pública, muitas vezes rivalizando com veículos tradicionais.

O levantamento mapeia esses “news creators” em escala global, destacando seus formatos, estilos e plataformas preferenciais, com ênfase em YouTube, TikTok, Instagram e X. Ao analisar as diferenças regionais e os tipos de criadores, dos analistas políticos aos influenciadores de entretenimento, o relatório chama atenção para um fenômeno que desafia as fronteiras entre jornalismo, ativismo e entretenimento, com efeitos diretos sobre a qualidade da informação e o funcionamento das democracias.

O estudo apresenta um panorama global da transformação do consumo de notícias nas redes sociais e plataformas de vídeo, revelando diferenças significativas entre regiões. Países como Brasil, México, Indonésia e Filipinas aparecem entre aqueles onde os criadores independentes têm maior impacto sobre o debate público, enquanto mercados europeus, como Reino Unido, França e Alemanha, ainda preservam a centralidade das marcas jornalísticas tradicionais.

Já o YouTube foi apontado como a principal plataforma mundial para notícias, seguido por TikTok e Instagram. Além disso, evidencia que a atenção ao conteúdo informativo se desloca progressivamente das instituições para os indivíduos. O relatório identifica, ainda, tendências comuns, como a predominância masculina entre os criadores mais influentes, a politização crescente dos conteúdos e a formação de ecossistemas informativos paralelos, muitas vezes desconectados das práticas e valores do jornalismo profissional.

Resultados no Brasil

No caso brasileiro, o relatório mostra que os criadores e influenciadores têm um peso desproporcionalmente alto na circulação de notícias nas redes sociais, mais do que em boa parte dos outros 23 países analisados. Embora marcas consolidadas, como a Globo, ainda concentrem grande audiência, o estudo aponta que as redes se tornaram um espaço híbrido, onde jornalistas tradicionais e personalidades digitais disputam a atenção pública.

Instagram e YouTube são as principais plataformas para o consumo de notícias, cada uma alcançando 37% dos usuários semanais. Entre os nomes mais citados aparecem Nikolas Ferreira, deputado e influenciador de direita; Alexandre Garcia, ex-jornalista da Globo e, hoje, youtuber; e Virgínia Fonseca, influenciadora de lifestyle com dezenas de milhões de seguidores. Também figuram Leo Dias, do entretenimento, e Jair Bolsonaro, que continua mobilizando um público fiel nas redes. Do outro lado do espectro político, surgem criadores como Luiz Galeazzo (OiLuiz), o duo satírico Galãs Feios e o educador e comunicador Jones Manoel, que mobiliza debates sobre desigualdade e marxismo a partir de um repertório teórico transmitido em linguagem popular.

O estudo mostra ainda uma forte clivagem ideológica: os públicos de esquerda tendem a seguir jornalistas de veículos tradicionais e ativistas progressistas, enquanto os de direita se concentram em comunicadores conservadores e religiosos. Treze dos quinze nomes mais citados são homens, e a penetração do jornalismo televisivo nas redes - com figuras como William Bonner e César Tralli - reforça a persistência da TV como referência simbólica. O caso brasileiro se apresenta, portanto, como um ecossistema digital polarizado, em que o jornalismo profissional, os influenciadores e a política se misturam no mesmo fluxo informativo.

Para as empresas jornalísticas, o relatório do Reuters Institute sinaliza a urgência de compreender e dialogar com novas dinâmicas de influência, linguagem e engajamento. 

Para as escolas de comunicação, porém, o alerta é ainda mais profundo: é preciso preparar profissionais capazes de atuar criticamente nesse ambiente híbrido, em que informação, opinião e performance se confundem. Um desafio e tanto.

*Juliano Domingues é presidente da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), pesquisador CNPq e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e da Universidade de Pernambuco (UPE).