Crítica pesada de um lado, tom muito festivo do outro

Ao reconhecer que a imprensa brasileira teve uma atuação inédita em pautar a COP30, Daniel Nardin, diretor do Amazônia Vox, pondera que as afirmações conduziram mais os debates públicos do que os questionamentos

Atualizado em 02/12/2025 às 09:12, por Alexandra Itacarambi.

A imagem mostra um homem sentado em perfil, voltado para a direita. Ele tem pele clara, barba curta e cabelo escuro. Usa uma camisa social azul-clara e está com um microfone de lapela preso ao peito, sugerindo que participa de uma entrevista ou conversa gravada. Ao fundo, há um banner verde escuro e uma parede de madeira clara. O homem parece atento e concentrado no diálogo.

Daniel Nardin, fundador do Amazônia Vox, é entrevistado no Centro de Mídia da COP30 (Arquivo Pessoal)


O Amazônia Vox foi um dos poucos veículos jornalísticos, independente e especializado, que jogaram a COP30 em casa. Sediado em Belém, com uma equipe turbinada com 30 profissionais da região, a iniciativa construiu uma rede colaborativa em diversas frentes, fruto do trabalho iniciado pelo jornalista Daniel Nardin, que possui trajetória de mais de 20 anos no jornalismo no Pará, incluindo o cargo de diretor de redação do tradicional jornal O Liberal. 

Nardin classifica como corajosa a escolha de Belém pelo governo como a sede do evento no Brasil e que a escolha, apesar dos imprevistos, incidentes e coisas que não deviam ter acontecido (sem passar pano mesmo), resultou numa “baita experiência” e todos saíram ganhando. 

“O Brasil pôde conhecer um pouco mais de Brasil. Foi uma oportunidade para os jornalistas brasileiros, talvez, saírem pós-COP com mais essa pergunta, ‘Por que Belém não tinha essa infraestrutura e agora teve?’. Para os jornalistas estrangeiros que tinham a imagem da ‘Amazônia inventada’, passaram a ter uma percepção de que existem 30 milhões de pessoas na Amazônia brasileira, que, para eles, é algo completamente novo”. A ‘Amazônia inventada’ é um conceito cunhado pela escritora amazonense Neide Gondim, que aborda a perpetuação da visão colonialista sobre a região.

Muitas oportunidades surgiram para os empreendimentos locais. “Você tinha duas opções. Ou você cresce o olho e quer ganhar de uma vez, ou faz algo mais estruturado para ter tempo. E a gente buscou tentar fazer a segunda opção. Tanto que agora estamos conseguindo manter conexões que a gente quer desenvolver melhor pro ano que vem”, detalha Nardin.
 

Ruídos de comunicação

A cidade emendou, como diz o brasileiro ao juntar o feriado com o fim de semana. Inevitavelmente, pela agenda internacional e local, a COP30 foi logo depois do Círio de Nazaré, que acontece em outubro, período em que a cidade muda completamente. Belém viveu, sem dúvida, uma efervescência cultural estendida e amplificada.

O jornalista avalia que o marketing local exagerado da COP pode ter contribuído, inclusive, para esse problema da hospedagem. O clima do “nossa chance é agora” não foi acompanhado de uma comunicação eficaz que explicasse que, além dos chefes de Estado do mundo inteiro, que é um grupo muito restrito, viriam técnicos, jornalistas, equipe etc., para trabalhar pelo bem coletivo. Desta forma, tiveram uma série de fatores na comunicação que atrapalharam. Segundo Nardin, o que começou a ajudar muito foi a Marina Silva falando ‘gente, COP é luta, não é festa’. Neste momento, ele acredita que as coisas foram se arrumando, mas que tiveram “muitos ruídos mesmo de comunicação nesse percurso”.

 

Debate público

Queria ouvir do Daniel Nardin qual foi a avaliação dele sobre o trabalho jornalístico brasileiro, neste longo caminho de preparação para a COP, já que ele acompanhou de dentro todas as repercussões na imprensa. “Percebi ao longo desse processo (da pré-COP) uma afirmação muito clara de que Belém não tinha infraestrutura para receber um evento desse porte. E se focou muito nisso. Talvez a função maior do jornalismo, ao promover debates na esfera pública, fosse de falar: ‘Por que Belém e outras cidades da região norte não têm infraestrutura?’. Talvez esse fosse o questionamento mais adequado. E a partir disso, não ficar apontando o dedo e reforçando uma tese de que aqui é um lugar atrasado ou não desenvolvido.”

Nardin demonstra respeito e cuidado para não ser mal interpretado. No seu entender, identificar um problema e falar sobre ele é algo necessário. O governo, seja qual for, ou a sociedade civil, ao adotar um discurso de que toda crítica, na verdade, não é crítica, mas é preconceito ou xenofobia, usa uma estratégia de escudo, enviesando o debate público sobre o fato que realmente interessa.

Você cria mais uma polarização das muitas que a gente já tem. E acho que a gente já está cheio de polarização. Então, editorialmente, optamos por não entrar nessa, de defender coisas que são às vezes indefensáveis.

Daniel Nardin, do Amazônia Vox



Conta que publicaram algumas matérias, inclusive, em parceria com a Agência Pública, com a Lupa - agência especializada em checagem de fatos - e com a agência de comunicação Carta Amazônia, mostrando alguns desses problemas. “Acho que um erro da imprensa nacional foi ter insistido demais em alguns temas, ao invés de apontar caminhos.”

Este olhar treinado para discutir caminhos, aliás, é a principal característica do Amazônia Vox, uma proposta de jornalismo de soluções para mostrar iniciativas locais que dão respostas aos desafios da Amazônia. Além disso, ela oferece serviços práticos que são o banco de fontes e o banco de freelancers locais e regionais, para conectar as vozes de amazônidas, completando seus três pilares.

Ao fazer um balanço crítico, Nardin avalia que realmente a imprensa nacional teve esse peso (negativo ou excessivo) da abordagem de alguns temas, enquanto na imprensa local pesou muito as falas de autoridades locais, que usavam ou tentaram usar a COP como plataforma de projeção política. 
 

Jornalistas pautaram a COP

Um dos pontos altos da COP30, ressaltados pela imprensa em geral, foi a participação da sociedade civil. Já a sociedade civil e autoridades reconhecem o grau de cobertura pela imprensa nacional: jornalistas brasileiros pautaram a COP e o clima, numa escala como nunca antes vista. 

Para resolver o problema de hospedagem, custos de viagem e de cobertura, houve uma união de forças para captar recursos para a Casa do Jornalismo Socioambiental. A iniciativa foi liderada pelo Infoamazônia, de São Paulo, e reuniu 21 veículos jornalísticos especializados no tema para uma cobertura colaborativa e em tempo real.

Enquanto os veículos de fora tinham os desafios de logística, os de dentro precisavam aumentar e remunerar ainda mais sua equipe para não os perder para outros veículos que estavam em busca de jornalistas locais.

“Ano que vem a gente quer ser o Pan-Amazônia Vox”, anuncia Nardin. Com a participação na Casa, se deram o luxo de trazer uma jornalista equatoriana, com o objetivo de ampliar o alcance do projeto e das vozes dos amazônidas. “Porque a gente olha muito para os Estados Unidos e a Europa, e a gente esquece de olhar para o lado. A Isabel (Alarcón) veio com a missão de cobrir as pautas dos outros países da Pan-Amazônia”. 

Além da logística, a iniciativa foi importante ao compartilhar pautas, ideias e informação rápida e de qualidade. “O que mais funcionou, e foi bem legal, é que você não precisava cobrir tudo, você sabia que tinham outros e que podia pegar o material também. Isso acho que funcionou muito e faz muito sentido, mas o mérito aí é para o pessoal do Infoamazônia mesmo que puxou isso”, valoriza. 


Time da casa

Equipe do Amazônia Vox na cobertura da COP30 (Filipe Bispo)


Ao começar nossa entrevista, Daniel Nardin adverte: “falo muito”; e então me autoriza a editar sua história. Penso que deve ser herança do seu início de trabalho na banca de jornal na beira do porto, aos 14 anos, história que conta nas entrevistas concedeu para veículos nacionais e internacionais no pré-COP. “Tomo esse cuidado para sempre puxar para o horizontal, a gente é mais um que está tentando fazer um trabalho sério, ao lado de um monte de outros, e tendo esse cuidado para trabalhar em conjunto.”

Além dos 30 profissionais da região, incluindo a jornalista indígena premiada Luciene Kaxinawá, da Rondônia, o Amazônia Vox contou com uma espécie de mentoria do jornalista experiente em COPs, Ricardo Garcia, que mora em Lisboa, e da jornalista de ciências Letícia Klein, que acabou indo para ajudar no pavilhão de ciências, com o apoio do Instituto Serrapilheira. 

Entre as parcerias, cita a agência de criadores de conteúdo Vem do Norte, baseada em Manaus, a Rede Amazônidas pelo Clima (RAC) - que é uma rede que reúne pesquisadores, advogados e pessoas que trabalham a questão climática - o Canal Futura, a Exame e a Rede TV Nacional.

O trabalho duro se destacou ao viralizar a entrevista exclusiva com o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, logo cedo no sábado do dia 22 de novembro, e outra exclusiva no pós-COP, já em Brasília, onde Nardin estava para receber o Prêmio Republica, da Associação Nacional dos Procuradores da República. “Foi uma oportunidade de se consolidar e que agora nos posiciona de um jeito positivo para que a gente tenha vida pós-COP.” 

 

Marca e modelo de negócio 

Além dos três pilares base, que dão a sustentação do projeto, tem dois paralelos que auxiliaram muito no posicionamento: os ciclos de formação gratuitas online - que ajudam, inclusive, a gerar receita, considerando que os editais recebidos são aplicados 100% no projeto - e a educação midiática, um projeto piloto premiado que envolve alunos do ensino médio da Escola Antônio Lemos da cidade de Santa Izabel do Pará. No caso do projeto escolar, ele traz uma série de ganhos: para os alunos, em termos de repertório e autoestima, e para o veículo, em termos de engajamento com a audiência hiperlocal, imagem, melhoria no texto. 

Daniel Nardin tem o cuidado de se posicionar como amazônida, termo usado para pessoas de qualquer etnia (indígena, quilombola, ribeirinho, caboclo etc.) que vive, trabalha, se identifica e defende a região, independentemente do local de nascimento. Ele não nasceu na região e não é indígena, foi acolhido ao chegar na adolescência e ao fazer de Belém seu lugar de pertencimento. O foco do seu projeto é o de amplificar as vozes das pessoas que estão nesse território, sem desviar dos problemas, buscando as perguntas que ajudem a construir uma solução coletiva.

Outra escolha feliz foi a logomarca moderna, feita pelo diretor de arte Vilson Vicente, fruto do apoio do Instituto Bem da Amazônia, uma spin-off da agência de comunicação Temple. Usando as cores verde e preta, o designer espelha dois Vs, um em cima do outro, formando uma figura geométrica. 

Conto que me encantei pela logomarca, na minha interpretação vejo uma casa, um espaço de convívio, a natureza, o solo e a vegetação, o acolhimento, mas não era nada disso ou era tudo isso. O jornalista amazônida explica que o A e o V formam um bico de uma ave, que emite som, e os símbolos do lado são as aspas. Acrescento aqui no texto que o X, de Vox, compõe a imagem, dialoga com os Vs invertidos, marcando o território com escuta, debate e respeito. Já os matemáticos diriam que o X representa a incógnita de um problema na busca da solução. ◼