A Imprensa e a República - mais do que palavras

O caderno especial foi um encarte da Revista IMPRENSA para comemorar o Centenário da República (1889-1989)

Atualizado em 12/11/2025 às 17:11, por Alexandra Itacarambi.

A imagem mostra uma ilustração de um homem montado em um cavalo, erguendo o braço em saudação. Ao fundo, há uma página de jornal antigo com o título “Província de São Paulo”. Abaixo da imagem principal, em destaque, está o texto: “A Imprensa e a República”, seguido da frase: “No Centenário da República, a história da luta dos jornalistas brasileiros pela democracia e pela liberdade.” O design tem um estilo histórico, remetendo ao final do século 19.

A Imprensa e a República: No Centenário da República, a história da luta dos jornalistas brasileiros pela democracia e pela liberdade



Hoje, pensamos no jornalismo como uma profissão de palavras, imagens, deadlines e, recentemente, de métricas. Mas, houve um tempo no Brasil em que ser jornalista significava empunhar a pena com a mesma coragem de quem empunhava uma arma. Nos turbulentos séculos 19 e início do 20, a linha que separava a redação de um jornal do campo de batalha político era tênue, e muitas vezes, inexistente. A imprensa não apenas noticiava a história; ela era protagonista.

A luta pela República, pela abolição da escravatura e por liberdades fundamentais foi travada “tanto com tinta quanto com sangue”. Artigos eram manifestos e jornalistas combatentes que arriscavam a vida para defender suas ideias republicanas. Essa imprensa visceral e aguerrida era capaz de inspirar revoluções, cometer erros básicos e inovar o jornalismo.

Contam os jornais da época que a primeira afirmação coletiva da consciência política nacional envolvendo os ideais republicanos foi a Inconfidência Mineira. A imprensa veio depois, mas desde o surgimento do Sentinela da Liberdade (9 de abril de 1823, no Recife), de Cipriano Barata, editado a partir dos calabouços do Império, a Imprensa e a República são duas instituições que caminham juntas. 

 

O caderno especial

“A Imprensa e a República: No Centenário da República, a história da luta dos jornalistas brasileiros pela democracia e pela liberdade”, publicado em novembro de 1989, conta esta trajetória a partir de arquivos de jornais. O caderno de 24 páginas, fornece uma visão geral da relação entre a imprensa e a instauração da República no Brasil, abrangendo os séculos 19 e 20 e descreve como jornais e jornalistas desempenharam um papel crucial na resistência ao Império e na propagação de ideais republicanos, muitas vezes enfrentando repressão e censura. É destacado a evolução da imprensa de um meio artesanal para um empreendimento empresarial, acompanhada por avanços tecnológicos na comunicação social. As fontes mencionam jornais específicos, como a Gazeta Ilustrada e o Correio do Povo, e figuras importantes que utilizaram a imprensa para influenciar o cenário político. Além disso, é abordado como a imprensa assumiu a responsabilidade de criticar e apoiar o novo regime republicano após sua Proclamação em 1889.

A seguir, resumimos quatro histórias curiosas sobre a imprensa contadas neste caderno especial. 

A imprensa nem sempre esteve do lado certo: o erro histórico na Revolta da Vacina

Um dos episódios mais marcantes, que envolveu o “erro histórico”, ocorreu no início do século 20, durante a chamada Revolta da Vacina.

Naquela época, o Rio de Janeiro, então capital federal, era um foco crítico de febre amarela, peste bubônica e varíola. O presidente Rodrigues Alves nomeou o médico sanitarista Oswaldo Cruz para liderar uma ambiciosa campanha de saneamento. A medida mais controversa veio em 1904: uma lei que tornava a vacinação contra a varíola obrigatória para toda a população.

A reação da imprensa foi imediata e feroz. Jornais iniciaram uma "violenta campanha" contra a medida, argumentando que a obrigatoriedade era um "atentado ao livre arbítrio". A cobertura não se limitou à opinião: de forma irresponsável, a imprensa chegou a espalhar o boato de que a vacina, na verdade, transmitia a varíola em vez de evitá-la. O resultado foi catastrófico. Incitada pelas notícias, a população se rebelou. Durante uma semana, o Rio de Janeiro se transformou em um campo de batalha, com barricadas nas ruas, bondes incendiados, lojas saqueadas e centenas de mortos. O episódio se tornou uma cicatriz indelével na história da imprensa, um lembrete brutal de que a capacidade de mobilizar as massas é uma força que, sem o lastro da verdade, leva apenas à destruição.

 

A origem do jornaleiro: um homem a cavalo com uma trombeta

Hoje, comprar um jornal em uma banca física ou digital parece algo trivial, mas a venda avulsa de exemplares foi uma grande inovação no Brasil do século 19, e sua origem é descrita no especial como, no mínimo, pitoresca. A ideia partiu do jornal A Província de São Paulo, que mais tarde se tornaria O Estado de S. Paulo.

Até então, os jornais viviam principalmente de assinaturas. Mas em 23 de janeiro de 1876, o jornal decidiu tentar algo novo. O ajudante de impressor Bernard Gregoire montou em seu cavalo, amarrou um pacote de jornais junto à sela e saiu pelas ruas de São Paulo tocando uma corneta (ou trombeta) para chamar a atenção do público e oferecer os exemplares.

A reação inicial de parte da opinião pública foi de indignação. Concorrentes e leitores mais conservadores acusaram A Província de São Paulo de "mercantilizar a imprensa", tratando a notícia como uma mercadoria qualquer. No entanto, a inovação foi um sucesso. A conveniência de comprar um único exemplar na rua agradou ao público, e a concorrência não demorou a copiar a estratégia. Aquela cena de um homem a cavalo com uma trombeta deu origem à figura do jornaleiro e, posteriormente, às bancas de jornais que se espalharam por todo o país. E que hoje já estão quase em extinção.

 

O poder da caricatura: "a bíblia da Abolição dos que não sabem ler."

Em uma nação onde a maioria da população era analfabeta, a palavra escrita tinha um alcance limitado. Foi nesse contexto que a imprensa visual, especialmente a caricatura, emergiu como uma das mais poderosas ferramentas de luta política. E ninguém dominou essa arte como Angelo Agostini.

Imigrante italiano, Agostini se tornou o principal nome da caricatura brasileira no século 19 e um fervoroso líder da campanha abolicionista. Sua publicação de maior sucesso, a Revista Ilustrada, lançada em 1876, tornou-se um fenômeno. A revista atingiu a tiragem recorde de 4 mil exemplares semanais e era tão popular que Agostini conseguia viver apenas das assinaturas, algo raríssimo na época.

Em suas páginas, Agostini não poupava ninguém. Suas charges mostravam o Imperador "dormindo nas sessões do Instituto Histórico, ou brincando de cavalinho de pau". Seu alvo principal, contudo, eram os adversários da Abolição. Em uma série de desenhos de efeito contundente, ele chegou a retratar ministros do Gabinete Saraiva como "torturadores de escravos." A clareza e o impacto de suas imagens eram tão grandes que o líder abolicionista Joaquim Nabuco prestou uma homenagem definitiva à revista, definindo-a como: “a Bíblia da Abolição dos que não sabem ler.”

O jornalista José do Patrocínio também foi assunto constante dos jornais, 
como nessa caricatura de Agostini, de 1888 

O jornal que nasceu na prisão
(e continuou sendo publicado lá)

Se houvesse um prêmio para o jornalista mais resiliente e ideologicamente comprometido da história do Brasil, Cipriano Barata seria um forte candidato. Descrito como um dos mais "corajosos republicanos" de seu tempo, Barata foi um agitador incansável e um dos pioneiros da imprensa de oposição no país.

Em 1823, ele lançou a Sentinela da Liberdade, a primeira publicação a pregar regularmente a doutrina republicana no Brasil. Suas ideias, consideradas subversivas pelo Império, logo o levaram à prisão. Barata passou os sete anos seguintes transitando por diversas e sombrias cadeias do Império, de Pernambuco ao Rio de Janeiro, mas nunca deixou de publicar seu jornal.

Com determinação, ele encontrava meios de imprimir e circular a Sentinela da Liberdade de dentro das celas, adaptando o título do jornal para refletir sua localização forçada. Assim, ao longo dos anos, a publicação circulou com nomes como: Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco Atacada e Presa na Fortaleza do Brum, na Guarita da Ilha das Cobras no Rio de Janeiro, e até mesmo na Guarita da Fragata Niterói. 

A herança

De tiros em ruas escuras a trombetas anunciando a notícia, a história da imprensa que moldou o Brasil republicano é uma mistura de coragem, inovação, submissão e contradição. Os fatos mostram uma imprensa que foi protagonista na construção da nação — uma força capaz de derrubar tiranos, inspirar sacrifícios heroicos, mas também de cometer erros, com consequências devastadoras.

Essa herança de "tinta e sangue" reverbera até hoje. Se Líbero Badaró enfrentou a bala do tirano, a imprensa contemporânea enfrenta desafios de outra ordem, mas não menos letais à liberdade: a guerra da desinformação que envenena o debate público e as pressões econômicas. 

Agora, sob a Nova República articulada por Tancredo Neves e batizada com um termo empregado pela primeira vez em 1789 pelo republicano Tiradentes, os jornais e jornalistas seguem cumprindo a missão de fiscalizar o Estado e garantir que o ideário sonhado por Cipriano Barata, Líbero Badaró, Quintino Bocaiúva, Rangel Pestana e todos os que os antecederam não fique no tempo como letra morta.
As letras, hoje como sempre, os jornalistas as querem vivas

, escreve Gabriel Priolli, diretor de redação de IMPRENSA, em novembro de 1989

Os jornais republicanos, como o Correio do Povo, vibraram com a Proclamação e abriram enormes manchetes para comemorar