A simbiose entre a imprensa e as inteligências artificiais
Novas tecnologias fortalecem a reputação digital da imprensa, mas ampliam o fenômeno do ‘zero clique’
Por Flavio Ferrari*
Em 2025, 93% dos brasileiros conectados já experimentaram as inteligências artificiais (IAs) generativas, sendo que 70% das pessoas as usam semanalmente para tarefas informacionais, segundo uma pesquisa realizada pela Conversion, em parceria com a ESPM.
As IAs têm seus critérios para eleição das fontes que utilizam para responder aos usuários, e a imprensa profissional “verificada” (confiável) é considerada como fonte primária de informações atualizadas e relevantes, conferindo credibilidade e precisão às respostas digitais generativas, além de oferecerem contexto e nuances de diversidade e de perspectivas.
Essa é a reputação digital da imprensa, ou seja, é a forma pela qual as IAs percebem os veículos jornalísticos mais relevantes em cada setor.
Indiretamente, as IAs promovem a reputação orgânica desses veículos, ao serem citados como referências afiançadas, e isso é positivo para eles.
Por outro lado, existe uma discussão ampla sobre o uso do conteúdo jornalístico, não remunerado, para “treinamento” das IAs e, mais recentemente, conforme publicado pela jornalista Patrícia Campos Mello (Folha.uol), a inclusão de respostas geradas por inteligência artificial no mecanismo de busca do Google (AI Overview) já estaria provocando uma redução estimada em mais de 20% no tráfego para sites de veículos de notícia - segundo um levantamento apresentado ao Cade pelas organizações Foxglove, Artigo 19, Idec e Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio.
O sucesso do Google decorre de sua disposição de facilitar o acesso à informação, e as respostas do AI Overview cumprem a mesma missão facilitadora para o usuário, mas reduzem naturalmente a necessidade de acesso à notícia originária da informação. Usuários que desejam apenas uma visão mais superficial deixam de “clicar” no link da matéria, num fenômeno que vem sendo chamado de “zero clique”.
Isso é relevante porque estima-se que o Google seja responsável pela geração de aproximadamente 40% do tráfego dos sites de notícias.
A mão que afaga é a mesma que apedreja, diria o poeta Augusto dos Anjos
Mas o processo é irreversível, e não apenas promovido pelo Google. Lembremos que o ChatGPT lidera com folga (mais de 80%) o uso ativo das IAs conversacionais e gera um volume substancialmente menor de tráfego para os sites.
A reputação digital, entendida como a percepção das IAs em relação a organizações, marcas e até mesmo pessoas, é construída a partir de uma síntese qualificada e quantificada de múltiplas dimensões avaliativas, concebida a partir de informações publicadas por stakeholders (manifestações digitais verificáveis), interpretadas e consolidadas pelas IAs.
Como as pessoas, cada vez mais nesse futuro próximo, consultarão as IAs em busca de respostas para tudo, caberá ao usuário entender criticamente as respostas. Essas ferramentas generativas serão os principais agentes de construção de sua reputação, esse “capital simbólico” na acepção de Pierre Bourdieu.
É nesse contexto que a imprensa seguirá tendo um papel de destaque no processo, resta saber como o mercado irá resolver seu financiamento para assegurar que siga independente.

*Flavio Ferrari é professor da ESPM e fundador do hub SocialData





