Soberania informacional e o campo da Comunicação
O IBGE passou a tratar a comunicação e seus fluxos como questão de Estado, associada à segurança, ao planejamento e à democracia.
Equipe de pesquisadores da Intercom ao lado do presidente do IBGE, Márcio Porchmann, e do coordenador do Centro de Documentação e Disseminação de Informações (CDDI), José Daniel Castro (divulgação)
Por Juliano Domingues
A presença da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) na Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados (CONFEST/CONFEGE), promovida pelo IBGE entre os dias 3 e 5 de dezembro, em Salvador, marcou um momento histórico para o campo da Comunicação no Brasil. O evento consolidou uma compreensão estratégica: a de que a comunicação, em suas múltiplas dimensões, é parte integrante da soberania informacional do país. A amplitude da conferência - que reuniu mais de 400 instituições, mil pesquisadores e cerca de oito mil participantes presenciais e remotos - reforça que o IBGE passou a tratar a comunicação e seus fluxos como questão de Estado, associada à segurança, ao planejamento e à democracia.
Entre as atividades, destacou-se a conferência “A pesquisa em Comunicação, Documentação e Circulação (CDC) como um dos eixos centrais da soberania na era digital”, ministrada por Andrea Medrado, vice-presidente da International Association for Media and Communication Research (IAMCR), nome proposto ao evento pela Intercom. A mesa situou o CDC como eixo de sustentação da era digital, em um contexto em que o IBGE abriga mais de 1 trilhão de variáveis e 1,5 bilhão de dados disponíveis publicamente, o que representa uma das maiores bases de informação da América Latina. As discussões mostraram que reconhecer o papel da comunicação nesse cenário significa compreender a própria infraestrutura da vida social contemporânea, marcada por mediações tecnológicas, desinformação automatizada e desafios éticos colocados pela inteligência artificial.
A programação incluiu ainda grupos temáticos dedicados a comunicação digital, documentação digital, circulação da informação, educação para as mídias, inteligência artificial e cidadania e relevância da pesquisa em CDC. Os debates abordaram temas como a produção e circulação de conteúdo mediado por algoritmos, a segurança e longevidade de arquivos digitais, a propagação de informações em plataformas híbridas, os impactos da IA nos processos democráticos e as relações entre mídia, educação e cidadania. A presença de pesquisadores e pesquisadoras de diferentes universidades e regiões do país vinculados à Intercom evidenciou que a soberania digital e informacional passa também pela soberania comunicacional.
A participação da Intercom na conferência é resultado de um convênio de cooperação firmado com o IBGE durante o congresso nacional da entidade, em Balneário Camboriú, em 2024. Desde então, as duas instituições trabalham na concepção do “Panorama da Era Digital no Brasil”, estudo em processo de planejamento que visa mapear fluxos comunicacionais, desigualdades de acesso, desinformação e novas formas de mediação tecnológica no país. Trata-se de um esforço de caráter histórico, inspirado no “Panorama das Comunicações e das Telecomunicações no Brasil”, elaborado há pouco mais de uma década pelo Ipea em parceria com a Socicom, sob a presidência de Marcio Pochmann - hoje à frente do IBGE.
Essa convergência de agendas - entre comunicação, dados e planejamento - expressa um entendimento maduro sobre o papel do campo na formulação de políticas públicas.
A Carta da Bahia, divulgada ao final da conferência, é transparente ao afirmar que a informação, produzida com rigor científico e ética, constitui parte essencial da infraestrutura estratégica nacional, comparável à energia, ao transporte e às telecomunicações. O documento reafirma que os dados do Brasil devem servir ao país, e não a interesses fragmentados ou corporativos, e que a governança informacional é inseparável da democracia e da soberania nacional.
O IBGE acerta ao reconhecer que, na era da inteligência artificial e das plataformas globais, planejar o futuro do Brasil significa também planejar a sua comunicação. E o faz em parceria com o campo que melhor compreende as relações entre informação, poder e cidadania. A presença da Intercom e de seus pesquisadores na CONFEST/CONFEGE é sinal de um novo tempo - um tempo em que comunicar é reconhecido também por outras áreas do conhecimento como um ato de soberania.

*Juliano Domingues é presidente da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), pesquisador CNPq e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e da Universidade de Pernambuco (UPE).





