Fotojornalistas brasileiros relembram coberturas marcantes da profissão

Gabriela Ferigato e Alana Rodrigues | 14/08/2015 19:15
De longe, é possível sentir a dor da perda de um irmão morto durante protestos de islamitas no Cairo, Egito. Um pouco mais perto, sente-se o silencioso luto dos que perderam amigos e familiares no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS). Um acontecimento do outro lado do mundo ou no próprio bairro é acompanhado pelo olhar do outro.

Esse “outro” tem como missão traduzir grandes histórias e acontecimentos em imagens que falam por si. Talvez a teoria por trás de crenças antigas que diziam que uma fotografia era capaz de roubar, capturar e aprisionar uma alma dentro da câmera faça sentido. Deixando a superstição de lado, elas de fato congelam o momento e os sentimentos que as cercam.

“A sociedade está em constante transformação e é nosso papel mostrar o que acontece. Sempre vou aonde as pessoas precisam, onde a coisa está acontecendo e não é mostrada. Em 21 anos de fotojornalismo, busco olhar para quem precisa ser retratado”, conta Joel Silva, que já cobriu o golpe militar em Honduras (2009), acampou com guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e esteve na ocupação do Exército no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro (2010).

Os com mais tempo de jornada acompanharam as transformações da profissão. Quando começou, Sergio Tomisaki levava um mini laboratório fotográfico nas reportagens em que era escalado. “Carregávamos uma transmissora de imagem e outras parafernálias que pesavam uns quarenta quilos. Era muito trabalho, mas compensador porque eram muitas as reportagens e espaço para publicação.”

Autor da famosa figura da presidente Dilma Rousseff aparentemente transpassada por uma espada, retrato que venceu o “Prêmio de Jornalismo Rei da Espanha” como melhor fotografia em 2012, Wilton de Sousa Júnior, da Agência Estado, ressalta que o que muda, em mais de vinte anos de profissão, é a maturidade.

“Você tem mais tranquilidade para executar determinadas coisas, uma percepção mais apurada de tudo o que está à sua volta. O tempo é fundamental para isso. Você observa o mundo de uma forma diferente. Ganhei mais experiência, já vi muita coisa. Eu me sinto mais seguro hoje”, ressalta.

Presente desde a primeira edição de IMPRENSA, a seção “Ponto de Vista” traz imagens de destaques feitas por fotojornalistas brasileiros. Confira nesta matéria especial o trabalho de cinco profissionais que participaram da seção nos últimos 25 anos. Joel Silva, José Luís da Conceição, Lauro Alves, Sergio Tomisaki e Wilton de Sousa Júnior relembram essas e outras coberturas de suas carreiras.

LAURO ALVES | “Ponto de Vista” de março de 2013
Ainda guri, devorava as edições da National Geographic de seu tio. Autodidata, montou sua primeira câmera fotográfica com pedaços de outras coladas por durepox. No Exército, fotografava para o jornal interno e, entre uma pauta e outra, fez alguns contatos e foi pedir emprego no Diário de Santa Maria. Foram oito anos antes de “pousar” na Zero Hora. Foi em Santa Maria que fez uma das coberturas mais marcantes. Em 28 de janeiro de 2013, Alves acordou com mais de trinta ligações perdidas. Um incêndio na boate Kiss havia deixado centenas de mortos. “Vi que a cidade nunca mais seria a mesma.” Fora do ginásio que abrigou a triagem e identificação dos corpos, aconteceu também um velório coletivo. Sem poder entrar, fez outros registros. Ao voltar, um policial permitiu sua entrada – somente para um clique. Lá, viu passar uma moça com um chapéu preto na mão, acompanhando um caixão fechado. “Esperei que ela olhasse para baixo, não quis fotografar o rosto. É uma pessoa da minha cidade, poderia ter sido meu familiar. Não queria desrespeitar ninguém.” Um ano depois, Alves se encontrou com a “moça de chapéu”, afinal a imagem viajou o mundo. “A gente tem que se envolver com a vida.”




JOEL SILVA | “Ponto de Vista” de setembro de 2013
A foto ainda não tem cheiro. Se tivesse, essa misturaria odor de sangue, perfume e incenso. Recém-chegado no Oriente Médio em agosto de 2013, o correspondente da Folha soube de confrontos que aconteciam ao redor do Cairo, no Egito, entre opositores e apoiadores do presidente deposto Mohamed Morsi. Seu primeiro instinto foi ir até o local onde estavam sendo velados os corpos, dentro de uma mesquita. Segundo o fotógrafo, o governo egípcio negava que havia massacre, mas as pessoas tinham sido baleadas na cabeça, clara indicação de execução. “Como fotógrafo, temos que caminhar pelo local do fato e tentar encontrar uma imagem que ilustre bem o que está acontecendo.” Sem dizer uma palavra, um homem apenas tirou o pano que cobria um corpo – de seu irmão morto – e apontou para o tiro na cabeça. “Foi a primeira percepção de toda aquela tragédia.” Com mais de vinte anos de profissão, Silva optou por retratar a cobertura de conflitos. O interesse surgiu quando trabalhava no Notícias Populares e cobria homicídios na periferia de São Paulo. “Quem escolhe fazer o jornalismo hardnews tem que ter consciência de que a sua função na sociedade é trazer o que ela não está vendo.”





WILTON DE SOUSA JÚNIOR | “Ponto de Vista ” de outubro de 2001
Em 2001, as regras impostas por traficantes da Favela Parque Royal, na Ilha do Governador (RJ), atingiram até os animais de estimação. O fotógrafo Wilton de Sousa Júnior conta que eles mandaram sumir com todos os animais, principalmente os cachorros, que latiam quando corriam para se esconder da polícia. Durante cobertura no local, o fotógrafo e sua equipe descobriram uma casa onde uma senhora recolhia os animais que via. “Era um ambiente muito escuro, com muitos bichos, e ela pediu que eu saísse. Mas a porta da casa tinha uma parte quebrada e o cachorro colocou o focinho ali, com um olhar muito triste, que contava o que estava acontecendo. Essa foto foi a minha primeira capa do Estadão.” Na sucursal do Rio de Janeiro de O Estado de S.Paulo, Júnior participou de reportagens importantes como a caçada aos assassinos do jornalista Tim Lopes, em setembro de 2002, e a passagem da Tocha Olímpica pela cidade, em abril de 2004. “Eu cubro de tudo. A minha fotografia é muito social, sempre buscando dar voz ao mais desconhecido. Seja qual for a cobertura, sempre estou em um exercício diário de tentar trazer a maior informação possível na minha imagem. O lead tem que estar nela.”



JOSÉ LUÍS DA CONCEIÇÃO | “Ponto de Vista” de fevereiro de 1995
A gente nunca esquece a primeira pauta. A de José Luís da Conceição foi em 18 de junho de 1983. Junto com um motorista e um repórter da Folha de S.Paulo, cobriu uma tragédia que matou três crianças carbonizadas em um barraco em São Paulo. Essa e outras 150 histórias, algumas ainda a serem contadas, fazem parte do Projeto Grilo na Foto, com os bastidores das coberturas que realizou ao longo de sua carreira. “Quando dou palestras em faculdades, vejo que muitos jovens fotógrafos e alunos são, de certa forma, limitados em seu conhecimento porque alguns professores não atuaram em jornais ou revistas. Às vezes só veem o glamour da coisa técnica, mas quando vão para campo a realidade é outra”, ressalta Conceição, que já chegou a se disfarçar para ter acesso ao interior de hospitais e delegacias em algumas pautas. Em um de seus cliques, o então prefeito Paulo Maluf virou rei por um segundo. A imagem foi feita durante uma visita ao Sambódromo. Quando notou que o Rei Momo estava bem atrás de Maluf, correu para não perder o ângulo e para que os outros fotógrafos não percebessem o que estava fazendo. “Quando você entra na profissão, percebe que é um metal bruto e, na medida em que vai produzindo, vai lapidando o seu olhar.”


SERGIO TOMISAKI | “Ponto de Vista ” de agosto de 1990
Em um momento em que o Brasil discute fervorosamente a redução da maioridade penal, uma cena não passou despercebida pelo fotógrafo Sergio Tomisaki há exatos 25 anos. O retrato foi feito durante a captura de inúmeros menores fugitivos da Febem Tatuapé, em São Paulo, em uma das ruas vizinhas ao prédio. Segundo Tomisaki, naquela época, os internos tinham características bem diferentes das de hoje. Eram, em sua maioria, órfãos ou crianças abandonadas que haviam cometido delitos leves.“Tenho por hábito, além de registrar a manifestação óbvia de qualquer que seja o evento, sair à procura de fotos que se diferenciem. Em minha andança solitária nos arredores da unidade, me deparei com essa imagem inusitada com dois soldados da Polícia Militar reconduzindo energicamente o menor pequenino de volta para o prédio, que só gritava que queria ir para casa e chamava pela mãe.” Em seu portfólio, destacam-se viagens presidenciais, Copas, visitas de papas e as Diretas Já. Para Tomisaki, fotojornalismo precisa de movimento – e é exatamente o que ele busca captar. “Não tem necessidade de legenda. A expressão diz tudo. É o sentimento verdadeiro que fica registrado em uma foto.”