Google e a imprensa europeia enfrentavam uma crise de relacionamento. Um dos principais motivos do mal-estar foi o Google News, acusado pelos veículos de não proteger os direitos de autor. Na Espanha, por exemplo, a plataforma foi tirada do ar depois de a empresa ser pressionada a pagar direitos autorais. Em abril deste ano, a Comissão Europeia acusou formalmente a gigante da internet por concorrência desleal. Algumas semanas depois, um pedido de desculpa.
Batizada de Digital News Initiative (DNI), o Google anunciou uma parceria com oito veículos europeus para inovar o jornalismo on-line. Com um fundo de 150 milhões de euros, a ação conta com a participação do jornal francês Les Echos; os alemães Frankfurter Allgemeine e Die Zeit; os britânicos Financial Times e The Guardian; o espanhol El País; o italiano La Stampa e a empresa holandesa NRC Media; bem como algumas entidades da área, European Journalism Centre (EJC), Global Editors Network (GEN) e a International News Media Association (INMA).
Para Eric Karstens, consultor de mídia, a DNI não foi uma reação direta pelas acusações recentes, mas pode ajudar a colocar o Google em uma melhor posição com os reguladores e conquistar novos amigos no mercado editorial.“Naturalmente, como qualquer companhia comercial, ele só faz o que acredita ser melhor para seus negócios. Mas já mostrou que tem forte interesse na indústria de notícias e tem entendido que o jornalismo melhora a experiência para os usuários.”
Com duração de três anos, a iniciativa atuará em três áreas principais. A primeira é o desenvolvimento de produtos, a fim de explorar projetos que possam aumentar lucro, o tráfego e a fidelização do público em forma de vídeos, publicidade, conteúdos pagos etc. A segunda é o apoio à inovação e, a terceira, à formação e investigação. Uma das frentes é investir na formação e no desenvolvimento de competências técnicas das redações.
Mundo digital
Em 2013, o Google firmou uma parceria semelhante com a França. Após meses de negociações, estabeleceu um fundo de sessenta milhões de euros para ajudar a imprensa francesa na transição para o digital. “Após dois anos, os principais beneficiários desses fundos têm sido jornais e revistas e, em menor medida, alguns nativos digitais de mídia. A verdade é que o mercado continua a sofrer os mesmos males do resto da Europa. A oposição da mídia francesa, no entanto, foi reduzida drasticamente”, ressalta Ramón Salaverría, diretor do Departamento de Projetos Jornalísticos da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra (Pamplona, Espanha).
De acordo com Salaverría, o modelo editorial dos veículos tem consistido em publicar na internet conteúdos originalmente elaborados para outras plataformas. “Ou seja, a maioria dos meios tem se dedicado a fazer uma mera adaptação, mas nenhum pensamento real a partir de jornalismo e internet”, opina. O diretor do jornal alemão Die Zeit, Rainer Esser, destaca que a transição para o digital implica uma conversa entre diversos setores – a tecnologia e o mercado editorial, companhias norte-americanas e europeias.
“Google, bem como o Facebook, são empresas de tecnologia dinâmicas e de grande sucesso com quem podemos aprender muito. Não os vejo como concorrentes diretos da mídia tradicional. São ambos poderosos jogadores e formadores de opinião no ecossistema digital em que operamos. Frisando que a nossa cooperação, por meio da DNI, não vai nos impedir de avaliar criticamente todas as ações da companhia. A equipe editorial ficará totalmente independente”, completa Esser.
Seguindo o mesmo princípio, Tony Danker, diretor internacional do Guardian, pontua que o Google ainda tem que responder pelas acusações que enfrenta, mas, conforme registrou em reportagem no veículo, muitos no Vale do Silício acreditam que isso tudo resulta da luta de uma indústria jornalística retrógrada para proteger um modelo de negócios antigo. Em sua opinião, talvez exista um elemento de verdade nisso. “A evolução do Google apresentou ameaças existenciais e comerciais significativas a profissionais de notícias e organizações de jornalismo.
A perda de distribuição para jornais e companhias de TV é acompanhada por uma perda de autoridade automática. Para muitos editores, trabalhar com o Google é uma luta injusta. Mas, talvez, não precise ser uma luta. Estamos dispostos a testar essa hipótese por um tempo para ver se nós podemos fazer da era digital a idade de ouro para o jornalismo. Será fascinante ver se o Google quer isso também.”