No meio do caminho, tinha um pedregulho

Em homenagem ao jornalista Sinval de Itacarambi Leão (1943-2024)*

Moises Rabinovici | 21/01/2025 11:19

Brotou uma flor amarela na orquídea dada havia um ano pelo querido amigo Sinval de Itacarambi Leão. Coincidiu com sua morte, em 5 de agosto, aos 81 anos. Da semente da Revista IMPRENSA, que ele plantou em 1987, floresceram a revista da ESPM (1994), o Observatório da Imprensa (1998) e a revista digital da ECA, Rumores (2007).


Foi um pioneiro. 


Como lembra o jornalista Rosental Alves, veterano professor de jornalismo da Universidade do Texas, em Austin, “antes do Sinval, havia pouca ou nenhuma cobertura da indústria jornalística. A norma era que jornalista não é notícia, mas produz notícia. A Revista IMPRENSA quebrou esse tabu.”


Sinval viveu na pele o desafio do jornalismo brasileiro para ser livre. Ele foi preso e torturado em 1969 e 1971 pela ditadura militar. Daí criou e cultivou o Prêmio Libero Badaró de Jornalismo, em1989, para homenagear o primeiro jornalista assassinado no Brasil ao tempo do Império, por defender a liberdade de imprensa. Em 2005, Sinval criou o Troféu Mulher Imprensa, o primeiro reconhecimento para as jornalistas que lotam as redações de jornais, tevês, rádios e mídia digital.


Com esses e outros prêmios, e nas reportagens da Revista IMPRENSA, Sinval lutou contra o descrédito provocado pela disseminação de notícias falsas, pela liberdade de imprensa e contra segredo de justiça para impedir o acesso à informação. Sua própria trajetória de vida e jornalista é uma inspiração para novos jornalistas: ele acreditava que o jornalismo tem o poder de transformar a sociedade e inspirar mudanças, lutou contra a censura, pela qualidade da informação e pela ética na profissão, cujo papel sempre foi fiscalizar o poder público e informar.


Foi um monge. Monge de verdade. Depois de 14 anos, com autorização do Vaticano, Sinval deixou o Mosteiro São Bento. Ainda lá chegou a fazer um jornalzinho, a que chamou de El Paredón, inspirado no paredão cubano onde inimigos da Revolução de 1959 eram fuzilados. Não foi uma boa escolha, nem para os beneditinos, em tempos de ditadura militar.


Crédito:Arquivo Pessoal
O vaso com orquídeas, do qual agora brotou uma flor, foi entregue em mãos pelo Sinval à minha mulher, a artista plástica Cyra Moreira, no dia da abertura de sua exposição “Lágrimas da Terra”, em agosto de 2023.

Tinha 25 anos ao viver “entre homens comuns”. Aos 28, casou-se com Ruth, que conheceu quando estudava Filosofia. Tiveram quatro filhos e viveram juntos até ele morrer. Só o conheci nos anos 90. E posso dizer que o único excesso dele, fora o trabalho na Revista IMPRENSA, era um bom vinho à mesa. Fizemos entrevistas juntos. Discutimos seus novos projetos. Ele fervilhava de ideias. Algumas vezes me ligou de hospitais. Queria entender o que estava acontecendo no Oriente Médio. A sua saúde começou a deteriorar em 2012, por causa de uma insuficiência cardíaca.


Na vida nada fácil, Sinval encontrou mais que uma pedra no meio do caminho. Um pedregulho. Peço vênia ao nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade. Estava no nome dele, Itacarambi, do Tupi-Guarani, que significa “pedregulho, seixos”.

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Nota-1: Ninguém melhor que a própria filha, a jornalista Alexandra Itacarambi, para contar a vida do pai, em parceria com a jornalista Isis Brum, que o entrevistou antes de morrer. Leiam a reportagem em três episódios: https://portalimprensa.com.br/noticias/ultimas_noticias/86917/um+destino+nada+convencional


*Texto publicado originalmente pela Revista de Jornalismo da ESPM na edição de agosto-dezembro de 2024