A região Centro-Oeste vai muito além da “Ilha da Fantasia”, como recentemente se referiu a Brasília, o Ministro da Casa Civil, Rui Costa. Pautas não faltam, de experiências agroecológicas a especulação imobiliária, conta a jornalista Flávia Quirino, que comanda a regional do Brasil de Fato.
Mulher negra e feminista, natural de Imperatriz (MA), Flávia fez graduação em Comunicação Social na Universidade Federal do Tocantins e iniciou sua trajetória profissional em Palmas (TO). Acredita nas pautas de realidades sociais locais como forma de crescimento dos projetos regionais independentes. Como fruto de sua vivência confessa que se enveredou na política, como militante social, “ao me deparar com uma cidade e um estado jovem, mas cheio de injustiças e desigualdades sociais”.
Em 2013, ela começou a se dedicar profissionalmente aos temas de direitos humanos e movimentos sociais, até que se mudou para Brasília em 2015. Trabalhou em projetos do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) do Comitê em Defesa dos Territórios Frente a Mineração e também em organizações não-governamentais como Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente), Fian Brasil e Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria.
Atualmente é editora responsável pelo Brasil de Fato Distrito Federal, site regional que é multimídia, com impresso, rádio e audiovisual. Além do Distrito Federal, o veículo está representado no Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, comandado majoritariamente por mulheres. Veja a seguir nossa conversa!
Você pode falar um pouco mais sobre a sua trajetória e experiência profissional em Brasília?
Flávia Quirino - Em 2017, iniciei o mestrado em Comunicação na UnB, onde me debrucei a pesquisar sobre mídia e política, especificamente sobre o golpe no Brasil. No entanto, por razões adversas desisti – provisoriamente – de ocupar este espaço acadêmico. Uma escolha difícil, mas necessária frente a outra escolha, a maternidade e também a vida profissional. Moro em Brasília há 8 anos, tenho dois filhos pequenos e atualmente resido em uma área rural. Desde julho de 2021, estou à frente de um projeto de comunicação popular e independente, o Brasil de Fato - regional Distrito Federal.
Quais as características e as especificidades da cobertura da mídia no Centro-Oeste? Ela está voltada especialmente para a política em Brasília, certo?
A característica da cobertura do Distrito Federal, com certeza, é a pauta política, principalmente porque em Brasília está o centro do poder do país, com o Executivo, Judiciário e Legislativo. Outra característica, é que por ser esse centro de poder, recebemos muitas manifestações sociais, atos políticos, então isso acaba gerando muita demanda, além de ser uma característica daqui. De julho de 2021 – quando lançamos o site regional - até agora, temos nos pautado por uma cobertura mais relacionada às lutas sociais e demandas dos movimentos sociais e populares e também nos direcionado para a cobertura de temas com mais aprofundamento e análise social e política sobre o Distrito Federal.
Existe um forte componente regional na mídia da região, em que medida na comparação com temas e pautas mais nacionais?
Nesses quase 2 anos de produção de conteúdo regional, o que temos observado no cenário local, é que existe, para as pessoas que não moram nessa região, um consenso estereotipado de que Brasília se resume ao Plano Piloto e também a Esplanada. Então, temos focado nesse período, em tentar mostrar um DF que a maioria das pessoas desconhece, existe a Brasília para além dessa Brasília noticiada. Temos cinco editorias no site, além de pautas de serviços, nos empreendemos em mostrar outros contextos, como por exemplo, o forte movimento cultural na cidade, as lutas por preservação ambiental, em contraposição à especulação imobiliária, a luta por reforma agrária, por saúde mental e as grandes desigualdades sociais e culturais dessa região do país.
Ou seja, fugir do trivial da grande mídia…
No início do projeto, existia um pouco de conflito com o que seriam as pautas do site regional do Distrito Federal como por exemplo, cobrir Planalto, Congresso, seriam pautas nossas?! Mas logo compreendemos que não, então o site nacional possui correspondentes que cobrem essas agendas e nós, do regional, brincamos que nossas pautas tratam da Rodoviária do Plano Piloto para trás – a rodoviária é o terminal central de ônibus do DF e cidades do entorno. O DF tem uma grande área rural, com uma grande quantidade de pequenos agricultores que vivem em comunidades rurais, assentamentos, acampamentos, que produzem alimentos saudáveis, sem uso de agrotóxicos por exemplo, com experiências agroecológicas, esse tipo de realidade que costumamos pautar quando falamos de produção de alimentos. Paralelo a isso, o DF tem muita grilagem de terras e especulação imobiliária, então acaba que esse é um tema que também temos interesse no dia a dia.
Você enxerga projetos de mídia independentes interessantes na região, além do Brasil de Fato? Algum desses projetos é comandado por mulheres?
Existem com toda certeza. Além da gente, que é um projeto de mídia independente, de esquerda, posso citar como exemplo a TV Comunitária de Brasília, que embora não seja um projeto comandado por mulheres, tem muitas mulheres em seu conselho diretivo. A TV Comunitária é uma experiência de comunicação popular independente muito importante, um projeto que existe há mais de 20 anos e que além de programas diários, realiza também atividades de formação em escolas do Distrito Federal, o que considero um diferencial, para formar ou pelo menos instigar a formação de novos comunicadores.
Como você vê a presença das mulheres na mídia regional - fora dos projetos hegemônicos ou mesmo neles?
A presença de mulheres na mídia regional não é uma informação que eu tenha precisamente para te passar, mas, por exemplo, olhando para os sites regionais do Brasil de Fato, somos nove, temos oito chefiados por mulheres. Considero isso muito importante, sobretudo pela realidade de desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Falamos muito de um lado machista estrutural exacerbado nos mercados de comunicação do País. Você vê esse componente no Centro-Oeste ou analisa de outra forma?
O machismo na sociedade brasileira é estrutural, fomos, enquanto sociedade, formados numa sociedade machista, então para onde se olha temos expressões do machismo nessa sociedade e obviamente também no jornalismo, na cobertura de notícias e nas redações. Eu penso que para além de uma mudança nesta sociedade, uma mudança coletiva e individual - que só se dá pelo coletivo - precisamos de políticas públicas, de programas e orçamento para que possamos ser uma sociedade livre de violências contra as mulheres, em todas as suas formas.
Você está otimista ou pessimista quanto ao foco e o espaço do jornalismo regional no Centro-Oeste no médio e longo prazos?
Eu acredito que o espaço dos regionais na mídia hegemônica é um caminho ainda longo, se observarmos o todo. Ainda se considera as notícias mais relevantes para o noticiário nacional aquelas que retratam a realidade do Sul e Sudeste. Brasília, por exemplo, não é essa “Ilha da Fantasia”, como recentemente disse o Rui Costa, Ministro da Casa Civil. A frase pode até ter sido retirada de contexto ou do que ele realmente gostaria de ser expressado, mas reflete que poucos exploram ou tem interesse em explorar esses arredores, onde vivem as pessoas, trabalhadoras e trabalhadores, pessoas reais que fazem essa cidade e ao final do dia pegam longas horas em um transporte precário, por exemplo. O nosso papel, enquanto um veículo de esquerda e regional, é mostrar que em Brasília existem muitas histórias e muita luta, por moradia, por saúde, educação, reforma agrária. Uma cidade cheia de contradições, que tem de um lado um pedaço com um IDH altíssimo e de outro a maior favela da América Latina. De um lado o metro quadrado mais caro do País e de outro milhares de pessoas em situação de rua.
Esse é um caminho para os veículos regionais se voltarem para preocupações sociais locais?
Considero que as experiências de veículos regionais, que pautam essas realidades locais, têm uma oportunidade de crescimento, porque no geral, as pessoas querem saber sobre elas ou o porquê que algumas coisas acontecem com elas. E, apesar de todos os desafios que o jornalismo enfrenta, com a disseminação de fake news, o discurso de ódio e a falta de recursos, acredito que os regionais, principalmente, os veículos independentes exercem um papel extremamente importante para a sociedade. Sobretudo, quando mostram essas realidades que geralmente são apagadas ou invisibilizadas.
Indicações populares do Troféu Mulher IMPRENSA
Para reconhecer o trabalho das mulheres jornalistas pelo Brasil, na edição do Troféu Mulher IMPRENSA deste ano, haverá uma categoria para cada região do país com indicação feita pelo público, com as inscrições abertas no site do prêmio.
As categorias de consulta popular visam homenagear as jornalistas ou comunicadoras brasileiras que se destacam na relação com o público na sua região e produzem jornalismo regional, ou seja, informação jornalística gerada dentro do território de pertença e de identidade em uma dada localidade ou região.
Serviço:
17ª. Edição do Troféu Mulher IMPRENSA
Indicação popular: até 30 junho 2023
www.portalimprensa.com.br/trofeumulherimprensa
#trofeumulherimprensa
#indiqueumajornalista
Leia também
Apesar de onipresente, a cobertura do meio ambiente pela imprensa regional do Norte é heterogênea
Jornalismo regional no Nordeste: foco na cultura local e medos globais
“O jornalismo regional é de interesse nacional”, sintetiza Mariama Correia