Jornalismo regional no Nordeste: foco na cultura local e medos globais

Marcus Ribeiro | 12/05/2023 17:08

Na primeira reportagem para a edição 2023 do Troféu Mulher IMPRENSA com o tema “Regionalidade”, conversamos com a Professora Maria Érica de Oliveira Lima, professora de jornalismo e do PPGCOM (Programa de Pós-Graduação em Comunicação) na Universidade Federal do Ceará, ela é estudiosa das mídias e do jornalismo com foco na região Nordeste.


Maria Érica atuou como editora convidada para dossiês das Revistas E-Legis (Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados) e da Revista Lusófona de Estudos Culturais do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), e nos trouxe uma alentada fotografia sobre o papel das notícias e da informação local. Falando de cases regionais, da grande cobertura das manifestações culturais locais e se mostrou preocupada com o futuro dos jornalistas e da informação, no Nordeste e no mundo. 


Qual a sua visão sobre o chamado jornalismo regional hoje no Brasil?


Maria Érica de Oliveira Lima - O jornalismo passa por uma crise mundial como produto, como business, e as empresas de mídia vivem uma situação difusa. A tecnologia que lhes dá um respiro também tira consumidores e anunciantes. Essa crise é financeira, de mercado, e de valores éticos. Com a maior disseminação das fakes news, a verdade é questionada. E se não existe uma verdade absoluta no jornalismo, a busca por uma verdade tem sofrido com redações menores e gente mais jovem, que carece de “rodagem”, e com as redes sociais pessoais como concorrente. Quando olhamos para a mídia de natureza regional, ela também é pautada pelas novas tecnologias e formatos, e sofre com a mudança e queda da audiência. O jornalismo em suas várias versões e abrangências não é mais hegemônico como disseminação da informação.


Existem veículos jornalísticos marcados por uma identidade regional no Nordeste?


Maria Érica - A grande maioria tem características semelhantes a mídia nacional, seja na tecnologia, apuração e checagem, como na interação com os consumidores. As afiliadas, por exemplo, acabam entrando no padrão da linguagem, cenários, locução etc da Globo. Quando falamos do jornalismo enquanto notícia, que está nos blogs, portais e jornais digitais, o papel praticamente morreu. O Diário do Nordeste é apenas digital hoje, como muitos outros veículos. Os grupos de mídia, como o O Povo (CE), privilegiam muito a informação do seu estado e de sua região. Porém, não consigo dizer se o jornalismo do interior de São Paulo ou do Rio Grande do Sul é mais voltado para a sua localidade do que a mídia nordestina.


Crédito:Arquivo Pessoal

Mas existe ainda um fenômeno de cobertura de eventos regionais que é rico ao longo do ano, não?


Maria Érica - Exato, o jornalismo demarca territórios e fala muito da cultura local. Os grupos de mídia cobrem as manifestações populares, como o verão em Salvador, os Pré-Carnavais (como em Fortaleza), os carnavais e o São João, que movimenta várias localidades e tem uma cobertura bem extensa. O evento junino em Campina Grande (PB) difere de Caruaru (PE), e ambos são distintos de outras cidades. Todos buscam uma identidade e a legitimação do consumo da juventude local. 


A senhora pode dar um exemplo de um veículo de nicho regional que tem uma experiência interessante, e que pode ser replicado em outras localidades ou regiões?


Maria Érica - Existe uma rádio em Sobral (CE) que fala com pessoas de fora da cidade, que estão distantes da região, do estado ou mesmo do País. As pessoas a escutam pelo Facebook, como um rádio expandida, e se informam sobre as notícias locais com uma contextualização. Um outro case interessante, maior, é o do Sistema Verdes Mares, que investiu em uma nova afiliada - Verdes Mares Cariri - em Juazeiro do Norte (CE), com conteúdo local e voltado para o sul do estado do Ceará, e que fala para outros estados próximos como Pernambuco, Piauí e Paraíba.


A mídia “micro”, por assim dizer, que fala de pequenas comunidades ou bairros, tem florescido?


Maria Érica - Sim, e não. Como no Brasil temos uma legislação e um alcance restrito para as rádios comunitárias hoje em dia, isso afetou a riqueza que tivemos nos anos 1980 ou 1990, entretanto temos programas migrados para as plataformas de redes sociais. Existem diversos programas independentes e a audiência está cada vez mais nas redes sociais e no celular.


No sentido macro, de consórcios de veículos, você falou da troca de produção jornalística entre os jornais O Povo, Correio e o Jornal do Commércio, integrantes da Rede Nordeste, em 2018, como a senhora analisa essa experiência? O que mudou em 5 anos?


Maria Érica - É engraçado olhar para 2018, o ano em que muda a agenda política brasileira e mergulhamos fundo nas fake news. Nesses 5 anos, vi um crescimento desses veículos. Mas a ideia do artigo de que essa Rede iria fomentar o jornalismo investigativo ou criativo não ocorreu, infelizmente. 


A senhora está otimista ou pessimista quanto ao foco e o espaço do jornalismo regional no Nordeste?


Maria Érica - Nem pessimista nem otimista, estou em suspenso, não sei como o jornalismo vai se desenvolver regionalmente no curto e médio prazo, tudo muda muito rápido. Depende da condição econômica do País. Pior, estávamos todos confortáveis, mesmo com as crises, e veio a Inteligência Artificial, que exige que o jornalista e a indústria do jornalismo se repense. Pior, o mesmo fenômeno que vimos no Sudeste, de ondas de demissões, aconteceu no Nordeste. Tivemos algo como 50 profissionais (jornalistas, produtores, técnicos e executivos) demitidos nos últimos 3 meses. Notícia ou informação é um produto, e é preciso entender como esse produto será consumido agora e em alguns meses. 


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