"O streaming é um espaço para ser ocupado", diz jornalista que assina investigação de nova série da HBO Max

Leandro Haberli | 27/05/2022 08:44
Estreou nesta quinta-feira (26) "PCC: Poder Secreto", série documental de 4 episódios produzida pela Boutique Filmes para a HBO Max. A ideia é contar a história da maior facção criminosa da América Latina, que surgiu dentro dos presídios paulistas na década de 90. 

Com idealização e produção executiva de Gustavo Gomes de Mello, que comprou os direitos do livro "Irmãos: uma história do PCC", e do sociólogo Gabriel Feltran, autor da obra literária, o trabalho conta com direção do cineasta Joel Zito Araujo e produção executiva de Adriana Gaspar. O roteiro é de Guilherme César, Lia Kulakauskas e Diogo Leite. 

Para saber mais sobre essa estreia e a importância do crescente mercado de séries documentais veiculadas em plataformas de streaming para o jornalismo brasileiro, o Portal IMPRENSA conversou com Thaís Nunes, repórter que assina a investigação jornalística do trabalho. Já tendo atuado numa série documental sobre Elize Matsunaga exibida na Netflix, ela diz que a ideia agora é fazer uma "discussão madura, urgente e necessária" sobre o PCC. "E o mais importante, sem sensacionalismo." 
Crédito: Divulgação HBO MAX
Portal IMPRENSA - Desde quando você cobre o tema segurança pública?
 
Thaís Nunes - Comecei na cobertura aos 17 anos, como estagiária na assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo e depois, aos 20, como repórter, com passagens por SBT, Diário de S. Paulo e Folha Metropolitana. Este ano completo 17 anos de jornalismo, metade da minha vida dedicada a contar histórias relacionadas à segurança pública, justiça e direitos humanos. 
 
Portal IMPRENSA - Como essa experiência contribuiu para a investigação jornalística da série?
Thaís Nunes - Ano passado, com a estreia de "Elize Matsunaga: era uma vez um crime", primeira série documental da Netflix no Brasil que idealizei e também assino a investigação jornalística, decidi deixar o jornalismo diário e me dedicar à produção de conteúdo para plataformas de streaming. Foi um caminho natural, desafiador e estimulante. Anos de jornalismo investigativo me deram inúmeras fontes e a experiência necessária para conduzir uma pesquisa aprofundada sobre um tema tão complexo como o Primeiro Comando da Capital. Cubro crime organizado em São Paulo há muitos anos e dialogo com todos os personagens que produzi para o documentário desde antes do início do projeto. 
Foram anos de experiência, reportagens, plantões, telefonemas, que me permitiram produzir entrevistas inéditas e de fôlego como as com o piloto de helicóptero Felipe Ramos, testemunha ocular dos assassinatos de chefões do PCC em 2018, e com Orlando Mota Júnior, único homem que já integrou a cúpula final da facção a dar entrevista para o audiovisual.  
 
Portal IMPRENSA - Por que você avalia que o debate sobre o surgimento do PCC é necessário urgente?
Thaís Nunes - O PCC surge em 1993, um ano depois do Massacre do Carandiru - que completa três décadas em 2022 sem que os responsáveis pela chacina sejam devidamente responsabilizados. O Estado negou a existência da facção criminosa por quase uma década e todas as políticas de segurança pública adotadas desde então se mostraram ineficazes para enfrentar a questão. Isso porque falar de combate ao PCC passa, inevitavelmente, pela discussão de questões fundamentais como desigualdade social, corrupção, encarceramento em massa e guerra às drogas. O documentário propõe, em seus quatro episódios, uma discussão madura sobre o tema ao trazer depoimentos de quem teve a vida atravessada pela organização criminosa. Sem glamourização, moralismo e, principalmente, sensacionalismo. 
 
Portal IMPRENSA - Quando o projeto da série começou?
Thaís Nunes - O projeto começa em 2019 quando Gustavo Mello, produtor executivo, sócio da Boutique Filmes e idealizador da série, compra os direitos de "Irmãos: uma história do PCC", livro do excelente sociólogo Gabriel Feltran. A obra baseou e deu o norte para a equipe formada por Gustavo e que trabalhou arduamente por esses anos todos para que o documentário, dirigido por Joel Zito Araújo, fosse ao ar. 
 
Portal IMPRENSA - Como avalia o mercado de séries documentais via plataformas de streaming para os jornalistas?
Thaís Nunes - A ideia de "Elize Matsunaga: era uma vez um crime" surgiu do meu anseio em buscar novas formas de contar histórias em profundidade, algo cada vez mais raro no jornalismo convencional. A Boutique Filmes, produtora da série de Elize e do PCC, foi vanguarda ao unir o jornalismo investigativo com o audiovisual. Apesar da falta de incentivo federal ao cinema nacional, o mercado de streamings está aquecido e sedento por boas histórias. Sou entusiasta desse novo mercado que se abre para os jornalistas e acredito no poder desse tipo de produto para fomentar discussões importantes para a sociedade. 
 
Portal IMPRENSA - É um setor que tende a crescer?
Thaís Nunes - Certamente. Atualmente, estou à frente de outros dois novos projetos documentais para o streaming. E a demanda não para de crescer. 
 
Portal IMPRENSA - O jornalismo policial, ou policialesco, é muitas vezes acusado de uma postura acrítica em relação a abusos de agentes de segurança. Como você avalia essas críticas e a atuação dos jornalistas que cobrem a área de segurança pública hoje?
Thaís Nunes - O Brasil é um estado policialesco, punitivista e que precisa urgentemente rever o seu passado escravagista. É natural que a imprensa seja um reflexo disso. Temos excelentes repórteres de segurança pública, como os meus mestres Josmar Jozino e Marcelo Godoy, mas a cobertura, em geral, ainda é muito ruim. Não dá para achar natural ligar a televisão à tarde e ver, todos os dias, a exploração da violência e o incentivo ao extermínio da juventude preta. É urgente que isso seja revisto. Semana passada, mais uma "megaoperação" na Cracolândia foi noticiada, circulou o vídeo de um repórter de uma grande emissora humilhando um usuário de drogas. Perdi as contas de quantas operações midiáticas como essa já foram noticiadas. O que muda? Quanto de dinheiro é gasto para que autoridades apareçam na mídia para fingir que algo está sendo feito? Fiscalizar a polícia não significa ser contra a polícia. E esse é o papel da imprensa. 
 
Portal IMPRENSA - O que mudou nessa área do jornalismo nos últimos anos?
Thaís Nunes - A informação não está mais centralizada nas grandes empresas de comunicação. Todos nós estamos expostos a muito mais conteúdo do que antes. E isso provoca efeitos diversos: descrédito da imprensa por um lado, audiência em busca de informação de mais qualidade do outro. O bom jornalismo nunca foi tão necessário. E há múltiplas formas e formatos de contar boas histórias. O streaming é um espaço que está aí para ser ocupado. 

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