É preciso olhar para as fissuras da sociedade, diz Jon Lee Anderson sobre cobertura das eleições

Redação Portal IMPRENSA | 16/03/2022 09:16
Em 6 de janeiro de 2021, motivados pela insistente tentativa de descredibilização das eleições presidenciais nos Estados Unidos de Donald Trump, centenas de apoiadores do ex-presidente invadiram o Capitólio, sede do poder legislativo do país. 

Para Jon Lee Anderson, repórter da revista The New Yorker, os acontecimentos que marcaram o país podem servir de exemplo para os repórteres brasileiros. Ele sugeriu uma mudança de postura para a cobertura das eleições 2022. 
Crédito:Esther Vargas/Flickr/Reprodução
O jornalista Jon Lee Anderson, da The New Yorker
O jornalista Jon Lee Anderson, da The New Yorker
"Talvez a melhor forma seja não cobrir as eleições como sempre cobrimos no passado, de olho nos debates, indo em comícios, cobrindo o dia a dia das eleições, mas sim olhando as 'placas tectônicas' dentro da sociedade", aconselhou, durante entrevista na abertura do Festival 3i. 

"Veremos o que fez, como ele tentou ter as legislaturas estaduais votando de determinada forma - eu sei que o sistema eleitoral brasileiro é diferente, é federal, você tem instituições que se contrapõe, sei que vocês tem o Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda parece ser um dos bastiões da lei. Mas a polícia no Brasil parece ter sido instrumentalizada pelo Bolsonaro, isso é perigoso. São pessoas armadas", completa. 

Para ele, o jornalismo de política no Brasil precisa estar atento à escalada de violência que pode acompanhar os fatos políticos durante o ano. 

"Nos EUA, temos braços armados que são hostis. A polícia anti-imigraçao, nos EUA são vistas quase que uma força hostil pelos democratas. Essas forças atraem pessoas que tendem a ser reacionárias, e as vezes violentas. E o mesmo, ou algo semelhante, está acontecendo no Brasil. Essas são as áreas que eu acho que o jornalismo no Brasil precisa centrar sua atenção, mostrar onde é que estão essas linhas do sistema jurídico, o que é aceitável, e o que está acontecendo de fato. Onde é que temos fissuras reais, essas rachaduras, nessa estrutura institucional do país", afirma. 

Anderson também comentou a defesa do presidente Jair Bolsonaro (PL) para a ampliação da posse e comercialização de armas como promessa de campanha. 
sabemos que há um fabricante de armas no Brasil que ganhou muito dinheiro com isso. Falando com jornalista, por que ele fez isso? Será que o brasileiro médio estava nas ruas pedindo armas? não que eu saiba. Onde é que está a sobreposição entre a polícia, forças armadas e paramilitares, que vocês chamam de milícia no Brasil? Essas máfias que controlam parte da economia?", questiona. 

"Ao meu ver, isso é perigoso, e essa são áreas importantes para o jornalismo brasileiro, até que os brasileiros se sintam seguros e protegidos pelas próprias instituições, jamais terão uma democracia saudável. Está claro que são pessoas criminosas, às vezes com ideias. Talvez o Bolsonaro seja isso, uma pessoa criminosa com ideias, e infelizmente há uma fraternidade de pessoas como ele, que se inseriu no exército, nas forças armadas, no sistema político. Se for esse o caso, o Brasil está diante de um problema grave."

Guerra na Ucrânia

Anderson cobriu conflitos armados no Afeganistão, na Líbia e no Iraque. Para ele, a invasão da Rússia à Ucrânia é o primeiro conflito "verdadeiramente globalizado", já que é possível sentir seus impactos de qualquer lugar do mundo. 

Ele diz que estamos diante de uma grande possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial.

"É mais do que uma guerra fria, eu diria, é pior. Está mais próxima de uma guerra mundial sem ser de fato uma. Temos países rapidamente se alinhando, aumentando orçamentos militares. Vai haver uma corrida armamentista", alerta. 

Anderson também criticou a cobertura que algumas mídias vem fazendo dos acontecimentos, principalmente os vídeos publicados no TikTok, classificados como "superficiais". 

"É preciso reportagem. Além de aprender as capacidades básicas de contar uma história e do ofício do jornalismo, é preciso saber como fazer uma reportagem", ensina. 

"Se eu estivesse tentando fazer jornalismo de TikTok em Kiev eu provavelmente tentaria encontrar histórias curtas, ou talvez levar as pessoas passo a passo para dentro daquela realidade. Talvez eu tentasse encontrar uma família vivendo em um prédio desses que estão sendo bombardeados todos os dias. Como é a vida nesses lugares? É só gente correndo em escadas, resgatadas de ruínas, ou levando suas malas em estações de trem? É só isso que os ucranianos estão fazendo?". 

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