O fenômeno dos memes é o tema do recém-lançado livro “A cultura dos memes: aspectos sociológicos e dimensões políticas de um fenômeno do mundo digital” (EdUFBA).
A obra é uma coletânea que reúne autores de nove países com abordagens diversas sobre os memes de internet.
“É um livro que discute os memes como linguagem comunicacional, mas também como recurso do ativismo político”, explica o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Viktor Chagas, organizador da obra.
O professor também coordena o Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Cultura Políticas e Economias da Colaboração (coLAB), da Universidade Federal Fluminense. Além do projeto
#MUSEUdeMEMES.
Viktor explica que o museu de memes, lançado em 2015, abriga um acervo de verbetes que contam a origem e os gêneros de cada meme. É também uma base bibliográfica, com mais de mil trabalhos sobre o tema, entre teses, dissertações, livros e artigos publicados em periódicos científicos em todo o mundo.
“O #MUSEUdeMEMES nasceu de um interesse em discutir o fenômeno de forma aprofundada. É um projeto que conjuga extensão e pesquisa no âmbito da universidade. Além de ser uma vitrine de divulgação científica, ele é também uma referência importante para pesquisadores de todo o Brasil que se debruçam sobre temas afins”.
O Portal IMPRENSA conversou com o autor do livro sobre o estudo acadêmico deste fenômeno da internet.
“Para fazer ou para entender um meme não é necessária apenas uma habilidade técnica, de edição de imagens, vídeo, etc., mas um conjunto de referências culturais que nos permitam entender a piada, compartilhar o sentido de determinada alusão intertextual e assim por diante”, complementa.
Portal IMPRENSA - Gostaria que você contasse sobre o surgimento do projeto #MUSEUdeMEMES e sobre a criação do livro que reuniu contribuições de diferentes autores.
Viktor Chagas - O livro "A cultura dos memes" é fruto de um acumulado de dez anos de pesquisa sobre o tema. É uma coletânea plural, que reúne autores de nove países diferentes, com abordagens diversas sobre os memes de internet. É um livro que discute os memes como linguagem comunicacional, mas também como recurso do ativismo político. A rede constituída em torno dele incorpora autores cuja produção tem sido intensa nos últimos anos. Alguns deles estiveram conosco no último ano, no simpósio internacional e no lançamento da exposição "A política dos memes e os memes da política", que realizamos no Museu da República, Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
Todas essas atividades foram levadas a cabo pelo laboratório de pesquisa que coordeno na Universidade Federal Fluminense, o coLAB, e também pelo projeto #MUSEUdeMEMES. O projeto foi lançado a público em junho de 2015, como um webmuseu, que abriga um acervo de verbetes contando um pouquinho da origem e dos gêneros de cada meme, e também uma enorme base bibliográfica, com mais de mil trabalhos sobre o tema, entre teses, dissertações, livros e artigos publicados em periódicos científicos em todo o mundo. O #MUSEUdeMEMES nasceu de um interesse em discutir o fenômeno de forma aprofundada. É um projeto que conjuga extensão e pesquisa no âmbito da universidade. Além de ser uma vitrine de divulgação científica, ele é também uma referência importante para pesquisadores de todo o Brasil que se debruçam sobre temas afins. Naturalmente, a ideia do #MUSEU é ser também uma provocação sobre o lugar da cultura popular de internet, um questionamento sobre o papel dos museus e da memória popular, e, claro, uma plataforma lúdica.
Portal IMPRENSA - O papel do humor da internet na sociedade contemporânea e o ativismo digital são temas do livro. Como os pesquisadores trabalham estes temas? Você poderia falar um pouco sobre as pesquisas desenvolvidas com este foco?
Viktor Chagas - Os memes são a expressão de uma nova linguagem comunicacional, um gênero nativo da internet e que requer uma nova experiência de letramento midiático. Por isso, é absolutamente fundamental compreendermos como eles funcionam, qual a sua economia de sentido e produção. No livro, temos um primeiro contato com esse debate, a partir de variados olhares sobre o fenômeno. Há pesquisadores, por exemplo, interessados em compreender os memes como uma piada online, e reconhecer porque, afinal de contas, as pessoas criam e compartilham esses conteúdos. Ou em que o humor brasileiro é semelhante ou diferente de outros tipos de humor, como ele contribui para a constituição de uma certa identidade cultural nacional. Outros estão preocupados em entender qual o papel dos memes no ambiente democrático, se eles podem servir como instrumento para o ativismo digital, se podem levantar pautas para os movimentos sociais. Nesse sentido, destacam-se estudos sobre memes feministas, sobre o modo como ativistas chineses vêm utilizando o humor e a ironia para burlar a censura estatal, ou como os próprios políticos têm empregado essa linguagem na propaganda eleitoral como forma de se aproximar de determinados públicos.
Portal IMPRENSA - Você fala que os memes da internet realizam o letramento social e político. Como isso é possível? Você poderia exemplificar?
Viktor Chagas - Muito se tem discutido sobre como os memes oportunizam uma certa experiência de letramento midiático, isto é, como essa nova linguagem, de certa forma, requer competências das audiências que nem sempre lhes eram exigidas a partir de outras linguagens. Em resumo, para fazer ou para entender um meme não é necessária apenas uma habilidade técnica, de edição de imagens, vídeo, etc., mas um conjunto de referências culturais que nos permitam entender a piada, compartilhar o sentido de determinada alusão intertextual e assim por diante. Mas essa experiência de letramento não para por aí. Não se trata apenas de um letramento midiático, mas também de uma experiência de familiarização com a política e as demandas da sociedade. Pelo tom muitas vezes bem humorado, pela mensagem sintética, muitas vezes, os memes favorecem a entrada no debate público de indivíduos que antes, por um conjunto de razões, dele não participavam. São pessoas que estão acessando uma série de discussões de forma nova e inaudita, por conta dos memes. Muitas ganham uma consciência ampliada por conta disso, outras se tornam obtusas. São mulheres se mobilizando em torno de uma hashtag que aglutina depoimentos pessoais e críticas à cultura do estupro, são negros buscando afirmar sua identidade, e também atores do espectro reacionário fazendo piadas sexistas, racistas. O fato é que os memes podem proporcionar esse primeiro contato com o debate político a muitas pessoas. E esse potencial precisa ser melhor aproveitado, especialmente pelo campo democrático.