Juca Kfouri lança “Confesso que perdi”, livro de memórias e muito mais

Marina Oliveira | 23/09/2017 08:06
“A instituição mais importante que existe na face da Terra são os avós”, declara Juca Kfouri, que lança quinta-feira (28), pela Companhia das Letras, “Confesso que perdi”, um livro de memórias onde reúne não somente parte de sua biografia, mas também a história da política, da imprensa e do esporte brasileiro. 
Crédito:Divulgação Companhia das Letras
"Confesso que perdi", novo livro de Juca Kfouri
“Confesso” é um apanhado de batalhas travadas por Kfouri e uma coleção de derrotas (mas também vitórias) colecionadas por ele. O título é uma homenagem a Darcy Ribeiro e Pablo Neruda. As memórias iniciam ainda nos tempos da faculdade de sociologia e evoluem à medida que José Carlos Amaral Kfouri, vai se tornando o editor-chefe da Placar, e, posteriormente, Juca, o vovô.   

Embora consiga equilibrar as críticas aos cartolas à doçura dispensada às netas, Kfouri continua ácido. “Infelizmente grande parte da imprensa esportiva hoje trata o esporte apenas como entretenimento e esquece de fazer jornalismo. O esporte não se limita ao espetáculo que você vê. E as pessoas têm o direito de saber o que se passa nos bastidores”, dispara.  

À frente de grandes investigações, como nos casos da Máfia das Loterias para a “Placar” e da revelação da identidade de “Carlos Zéfiro’, para a Playboy, Kfouri lamenta o “pouco investimento em reportagens”. “Acho que um dos pecados da impressa escrita é não perceber que hoje a função dela é muito mais pós-notícia, é análise. Aprofundamento custa dinheiro, mas se fizesse direito, provavelmente, não teria a queda de circulação que está tendo e, como consequência, a queda de publicidade”, comenta. 

Politizar sempre

Há cerca de um mês, os canais ESPN nos EUA se tornaram protagonistas de uma crise diplomática com a Casa Branca. A emissora foi acusada pelo público e também por outros veículos, como a Fox, de ser “muito política”. Em sua conta pessoal no Twitter, a apresentadora Jemele Hill afirmou que Donald Trump era “supremacista branco” por não se posicionar com veemência a respeito das manifestações de grupos neonazistas em Charlotesville, em agosto. A Casa Branca por sua vez, sugeriu que o comentário deveria ser motivo para a demissão de Jemele. 

Politizar o esporte por meio do jornalismo é uma das bandeiras de Kfouri, que afirma lamentar a reação da Casa Branca. “Ela deveria ter dito isso no ar e estou de pleno acordo com a ESPN de politizar a sua cobertura. É impossível estar nos EUA hoje e fazer de conta que o Trump não existe, como é impossível estar no Brasil e fazer de conta que não estamos vivendo a crise que estamos vivendo”, vaticina.

Em 2016, diante da aproximação dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a ESPN Brasil foi duramente criticada pelo ex-prefeito carioca Eduardo Paes (PMDB-RJ) e chegou a ser intitulada de “baixo astral”, por apontar irregularidades e gastos com as obras. “Eu fui chamado de ‘fracassomaníaco’ e de mau patriota porque eu dizia: ‘olha, o que está sendo feito é um absurdo’ e olha aí o resultado”, comenta se referindo às recentes notícias sobre a “Unfair Play”, etapa da Operação Lava Jato que investiga o envolvimento do presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, que responde junto do empresário Arthur Soares, o Rei Arthur, sobre suposta fraude na escolha da sede da Olimpíada Rio 2016.  

Em “Confesso”, Kfouri dedica ainda, diversas linhas para apontar os desmandos da “cartolagem” do futebol nacional, um de seus maiores embates profissionais. “A superestrutura [do futebol] é uma herança das capitanias hereditárias, temos nas federações estaduais e na confederação nacional exemplos claros de como poucos se apossaram de uma coisa que é de todos. Uma gestão que não beneficia a qualidade do esportista brasileiro, mas o bolso dos cartolas, que sequer têm inteligência de montar um esquema para se locupletar em longo prazo”, dispara.

Por outro lado, o jornalista também aponta as responsabilidades da imprensa, que acaba priorizando o lucro em detrimento ao jornalismo e à melhoria do esporte. “A Rede Globo trata os eventos que transmite como se fosse sócia de quem vendeu. Já as redes americanas quando vão transmitir um evento, fazem na área do entretenimento, mas a cobertura é do departamento de jornalismo. O cara enche a bola da final do futebol americano, mas no jornal, o repórter vai contar se o hambúrguer tava frio, se a cerveja tava quente, se o gramado tava bom, se teve problema pra entrar, se não teve, se determinado cartola ta mandando dinheiro para o exterior sem passar pelo banco”, defende.   

“O dia em que os atletas tiverem consciência do poder que têm e exigirem o que lhes cabem, as coisas mudam. No dia em que os presidentes dos clubes entenderem que quem mandam são eles, as coisas mudam. Você imagine um presidente do Flamengo com o do Corinthians dizendo chega, agora vai ser assim! Muda tudo”, diz. 

O preço que se paga

A impressão em “Confesso” é de que, com a coleção de desafetos acumulados por Kfouri ao longo dos quase 50 anos de carreira, seria possível fazer um eclético álbum de figurinhas. Desde frustrações com o universo político até o desencanto com o mundo esportivo, como o rompimento – e posterior reaproximação -, com o Rei Pelé. Ainda assim, o jornalista leva ao pé da letra o “perder o amigo, mas não a piada”. 

“Eu só durmo feliz quando apanho de palmeirenses e corintianos. De petistas e tucanos e é este meu papel. Não é estar preocupado em agradar, mas em dar a notícia certa ou a opinião que eu tenho”, defende. Em uma das passagens do livro, Kfouri afirma: “nada é mais certeiro que uma notícia bem dada, mesmo quando contrária aos interesses da empresa que veicula”. 

“Quando você tem a notícia e a segurança dela, fica invencível. Ah, tô desmoralizado? Você vai fazer campanha para me demitir? Tá bom, então espere mais alguns dias. Daí a coisa acontece. Só que aí esses caras que te ameaçam ou que te xingam desaparecem, porque esses são os covardes”, pondera.

Engana-se, porém, quem acredita que a desgraça dos cartolas é que faz a felicidade de Kfouri. “Tenho um amigo que quando soube da notícia [Unfair Play] me disse para mudar o título do livro para ‘Confesso que empatei’. Mas a minha felicidade mesmo seria ter 40 mil pessoas no campo de futebol todo domingo no Brasil. Seriam os esportes olímpicos brasileiros serem bem tratados. E é neste aspecto que eu digo que perdi, porque luto e lutei a minha vida inteira por isso e estou ganhando muito pouco. Não vou desistir do engajamento, mas tenho a sensação de dar murro em ponta de faca, de sangrar a mão”, lamenta.

Se por um lado sobra desacordo, de outro não falta harmonia. Figuram entre as agradáveis memórias Dom Paulo Evaristo Arns, Telê Santana, Deva Pacovicci e o eterno Doutor Sócrates, de quem Kfouri ainda guarda os manuscritos dos “Diários da Copa”, de 1982 publicados pela Placar. “Estou cada vez mais propenso a doar diversas coisas que eu tenho para o Museu do Futebol ou para a escola de Educação Física e Esporte da USP, está na hora de fazer isso”, conclui.