"Não dava para não fazer nada", diz editora do iG sobre denúncia de assédio contra cantor

Alana Rodrigues* | 09/06/2016 11:00


Desde a noite da última sexta-feira (3/5), o caso de assédio sexual envolvendo o funkeiro MC Biel e uma repórter do portal iG movimenta o noticiário e as redes sociais. Durante uma entrevista, a jornalista, cuja identidade é protegida por determinação policial, foi chamada de "gostosinha" e ouviu que o cantor "a quebraria no meio". Internautas criticaram o comportamento do artista e levaram a hashtag #RipBiel ao topo dos trending topics mundial do Twitter. 

Crédito:Reprodução
Editora do iG conta como portal está tratando caso de assédio de sua repórter

Em um vídeo publicado em seu canal no YouTube na última quarta-feira (8/6), o funkeiro pediu desculpas à jornalista e a todas as mulheres que se sentiram ofendidas. "Nunca imaginei que minhas palavras pudessem machucar de fato quem me entrevistava. Então eu estou aqui para pedir desculpa", diz. 

A denúncia gerou impacto na carreira do artista. No início da semana, o Comitê dos Jogos Olímpicos do Rio decidiu desconvidar o cantor para o revezamento da Tocha Olímpica. Agora, a Polícia Civil de São Paulo investiga o caso, que foi registrado na 1ª Delegacia da Mulher (DDM) de São Paulo, no dia 8 do mês passado.

A gravação em áudio e vídeo da conversa foram entregues como prova no processo. Após a repercussão e os desdobramentos do caso, outras profissionais de imprensa decidiram denunciar situações semelhantes. 

À IMPRENSA, Patrícia Moraes, editora-executiva de comportamento e entretenimento do portal iG, deu detalhes sobre o caso da repórter, que entrou de licença na última segunda (6/6). Ela falou sobre a decisão da denúncia, os esforços para proteger a jornalista e de que forma acredita que o assédio pode ser combatido. Confira:

IMPRENSA: A repórter conversou com os colegas de trabalho antes de fazer a denúncia? Como foi?
PATRÍCIA MORAES: De volta à redação, ela chamou a chefe imediata para contar o que havia ocorrido. Ao contar, ela tremia e chorava. Por isso, imediatamente, foi tomada a decisão editorial de não promover o artista no portal. Ela também narrou o ocorrido para dois ou três colegas. Eles se condoeram, alguns até choraram também, e se indignaram. Em seguida, um dos repórteres comunicou à Warner que não daríamos nenhuma linha sobre o lançamento do novo CD do Biel e explicaram o motivo.

Por que decidiram denunciar, levando em conta quem muitas profissionais esmorecem, têm medo de atrapalhar o relacionamento com as fontes e no próprio trabalho?
Não dava para não fazer nada. Seria desumano não apoiá-la após ver o estado que ela ficou. Aquilo deixou marcas. E as gravações reforçaram o sentimento dela: não houve uma pessoa que tenha assistido à entrevista e que não tenha ficado horrorizada com o que viu e se solidarizado com ela, principalmente as repórteres e mulheres da empresa. Muitas viram o choro e toda a comoção que o episódio gerou. Um colega (homem) me relatou que estava constrangido de falar com ela, incomodado com o que ela havia passado, e por isso não conseguia nem olhar para ela porque imaginava o que a mulher dele sentiria no lugar da repórter. 

Quais orientações o iG passou a ela?
Tivemos que esperar algum tempo para analisar as provas (ela tinha gravações e testemunhas) e ela foi orientada a ir a uma delegacia da mulher registrar um boletim de ocorrência.

Como têm sido os esforços para protegê-la? Quais medidas o iG toma nessa sentido?
Ela tem sido apoiada e protegida pelos colegas, ela foi muito corajosa porque, apesar de tudo o que ouviu, voltou para a redação com todas as respostas para suas perguntas, ela cumpriu a pauta toda, cumpriu o que foi fazer lá. Desde o vazamento dos áudios, ela ficou abalada e resolvemos afastá-la das atividades profissionais.

Como foi a reação da equipe e da repórter diante da repercussão do caso? Esperavam por essa repercussão?
Não imaginávamos a repercussão porque em nenhum momento a intenção foi julgar o artista. Isso a Justiça fará. A repercussão se deu após publicarmos uma matéria explicando o que é assédio por meio de uma vítima que conhecemos de perto. Depois disso, muitas repórteres nos procuraram, contaram suas histórias. Uma me narrou que, após ser assediada por um entrevistado famoso, virou motivo de piada na redação e, toda vez que havia uma entrevista para ser feita com ele, os colegas falavam: "Vai, lá, ele gosta de você". Para ela, isso era uma violência, ela não queria vê-lo nunca mais. Algumas, por serem ridicularizadas em suas "denúncias", até que desistiram da profissão. Afinal, que profissão é essa que permite que uma mulher seja ridicularizada desse jeito? Só porque ela não levou um soco e está com um olho roxo, não quer dizer que não tenha doído, entende? É uma violência psicológica e, inclusive, objeto de pesquisa da jornalista Isabel Clavelin, da ONU Mulheres no Brasil, com quem conversei. O caso é sério, não é brincadeira nem mal-entendido.

Como avaliam a exposição do áudio da entrevista? 
Mesmo com as especulações sobre a existência das provas, a intenção do Portal iG sempre foi preservar a identidade e a integridade da jovem e, por essa razão, segurou a divulgação das gravações em áudio e vídeo que comprovam a denúncia.

No entanto, após o vazamento dessas provas em um programa de TV, com o intuito de garantir a divulgação da ordem correta dos acontecimentos, decidimos disponibilizar, pela primeira vez, tais trechos dos três momentos da entrevista. Isso porque era preciso mostrar que, muito antes de começar a entrevistar o cantor, ela já havia sido assediada apenas por estar do lado de um colega acompanhando a entrevista dele. Quando ela foi entrevistá-lo, já estava incomodada e abalada com o que tinha ouvido. Se o colega dela não estivesse gravando no momento em que Biel fala "Se te pego, te quebro no meio", não teríamos prova.

Após a divulgação, esperamos ter dado fim às especulações em torno do caso e deixar nas mãos das autoridades que conduzem o inquérito policial a análise dos fatos, o que era nossa intenção inicial sobre tais provas.

Já ocorreram casos semelhantes com outras profissionais do portal? Como foi?
Pessoalmente, nunca presenciei nada aqui. 

De que forma acredita que o assédio pode ser combatido?
Falando, denunciando e punindo. "Bola pra frente, deixa quieto, ele é um babaca, mas não foi nada, não!" não é o discurso da coragem. É inaceitável que muitas mulheres, e eu me encontrava nessa "lista", não sabem que estão sendo vítimas de crime. Você acredita que soube que teve veículo de comunicação que, após a repórter ouvir algumas barbaridades de Biel naquele dia, ainda editou a entrevista e publicou mesmo assim? Bom, ouvi na Delegacia da Mulher que isso pode ser ocultação de crime. Acho que todos têm que saber disso e essa consciência só acontece quando não concordamos com o discurso do "não foi nada", "foi brincadeira" ou um "mal-entendido".

Campanha Sem Assédio na imprensa 

IMPRENSA lançou a campanha #SemASSÉDIOnaimprensa. O objetivo é mostrar como repórteres do sexo feminino e masculino estão expostos ao assédio moral e sexual, tentando encontrar ao lado de especialistas e das entidades ligadas à imprensa formas de reduzir/acabar com esse tipo de ação com soluções práticas. 

Convidamos jornalistas e comunicadores de todo o Brasil a contar suas histórias, sob anonimato, se assim o desejar, para que todos possam ficar de olho e ajudar no combate ao assédio à imprensa. 

Os interessados podem mandar seus relatos para o e-mail: redacao@portalimprensa.com.br, colocando no assunto: depoimento sem assédio na imprensa, até 17 de junho. Garantimos que sua identidade e a do assediador serão mantidas em sigilo.


* Com supervisão de Vanessa Gonçalves.

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