Há 45 anos, numa sexta-feira 13, o Palácio das Laranjeiras ficou movimentado com a presença de 24 homens do alto escalão do governo militar, que se reuniram para aprovar o documento que mudaria a história do país. O Ato Institucional Nº 5 saiu do papel e provocou uma série de cassações, prisões, torturas e perdas de direitos.
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"Jornal do Brasil" ironizou em detalhes o golpe dentro do golpe
O quinto de uma série de decretos lançados nos anos seguintes ao golpe civil-militar de 1964, sobrepondo-se à Constituição de 24 de janeiro de 1967, concedeu poderes absolutos ao Presidente da República para, entre outras atribuições, cassar mandatos eletivos, conter direitos políticos, demitir ou aposentar juízes e funcionários públicos, suspender o habeas-corpus em crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto, julgar crimes políticos em tribunais militares, além de determinar um recesso forçado ao Congresso Nacional e às Assembleias Legislativas.
Redigido pelo ministro da justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, entrou em vigor durante o governo do então presidente Artur da Costa e Silva. A medida era tida como uma retaliação à decisão da Câmara dos Deputados, que recusou a consentir licença para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por um discurso em que interpelava até quando o Exército abrigaria torturadores, pedindo ao povo brasileiro que boicotasse as celebrações do 7 de setembro.
A edição do ato foi um pretexto para adiantar o documento já planejado pelo governo. “As interpretações históricas dizem que já existiria um projeto pronto, muito mais duro, e que esse projeto seria o que acabou resultando no AI-5”, explica a historiadora Maria Aparecida de Aquino.
Luta Armada das Palavras
Entretanto, as medidas coercitivas não se limitaram ao âmbito político, era preciso estabelecer as rédeas que norteariam a sociedade e, entre elas, o recrudescimento da censura nas redações dos jornais, rádios e televisões.
A máquina da censura serviu para cercear periódicos de grande circulação como Última Hora e Correio da Manhã e os da imprensa alternativa ou nanica, como Opinião, Movimento, Em Tempo, O Pasquim. Também foi útil a muitos outros para calar aqueles que veiculavam opiniões contrárias ao regime. “A grande atuação do AI-5 para a imprensa é o fato de que, a partir dele, a censura se tornou explícita. É um tempo escuro que vai durar dez anos”, diz Maria Aparecida.
A jornalista e pós-doutora em comunicação, Joana Puntel, conta que a censura fez com que os profissionais da imprensa aprendessem a lidar com os limites, contar os fatos sem esconder a verdade e, ao mesmo tempo, utilizar recursos para conseguir se desvencilhar de mencionar nomes em denúncias. Joana trabalhava para a Revista Família Cristã à época, publicação que possuía cerca de 200 mil assinaturas e que desempenhou um importante papel no período.
"A ditadura foi muito pesada. As comunidades de base, a mídia alternativa, eram as plataformas onde as pessoas poderiam se manifestar. Então, nesses livretos, nós podemos ver uma história do povo fora de série", pondera.
Maria Aparecida de Aquino ressalta as duas formas de censura que circulavam pelos meios de comunicação entre os anos de 1968 e 1978. Uma mais branda, limitando-se às ligações para os jornais para ordenar aquilo que poderia ou não ser veiculado, e a outra, mais dura e direta, que era a chamada censura prévia, capitaneada por censores que atuavam dentro das redações, casos do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Veja.
“O Estadão, por exemplo, usava um desses lápis grossos vermelhos ou azuis, e simplesmente, circulava a matéria ou o trecho que não poderia sair. No caso de revistas e semanários, de uma maneira geral, era às vezes mais complexo, porque eles precisavam mandar para a sede da Polícia Federal na sua região para depois voltarem com o corte”, aponta Maria Aparecida.
O processo afetou toda a imprensa alternativa. Segundo a historiadora, o jornal Movimento perdeu boa parte de seu público, publicidade e anunciantes, em virtude da demora da verificação dos censores, além de abandonar características do jornalismo, pois perdia a chance de escrever no momento dos fatos.
Uma parte da imprensa maior também foi atingida, como O São Paulo, integrante da cúria metropolitana, censurado entre 1972 e 1978, e Tribuna da Imprensa, censurado de 1968 a 1978, veículo indicado por Maria Aparecida como o mais censurado do período, além de O Estado de S. Paulo, que contou com a presença dos censores de 1972 a 1975, e da Veja, de 1972 a 1976.
A manobra do regime militar definia ainda quais assuntos poderiam integrar a pauta dos jornais. Questões de caráter político e econômico do governo estavam entre os mais barrados pela censura. Aborto, autoritarismo, tortura, mortes e desaparecimentos também eram excluídos das páginas já revisadas. A historiadora chama a atenção para o olhar diferente do censor sobre o alternativo Movimento. Conhecido pelo seu cunho popular, o jornal foi sistematicamente censurado por publicar matérias que alertavam o povo sobre o regime.
Joana Puntel lembra que foi um período de muita desconfiança, no qual os jornalistas tinham medo de algo que não haviam feito. “Isso era espantoso”, ressalta. Para ela, era preciso muita paixão pela profissão para conseguir passar por todos os momentos torturantes que a ditadura proporcionou.
Continuação
Na próxima quinta-feira (12/12), IMPRENSA publica a segunda reportagem da série sobre o AI-5 e a censura no Brasil.
* Com supervisão de Vanessa Gonçalves
Veja as principais capas de jornais no dia seguinte ao Ato: