Nós, comunicadores, sejamos jornalistas ou profissionais da comunicação empresarial, aprendemos desde sempre que a simplicidade na linguagem e a escolha do canal certo são essenciais para que a mensagem chegue ao seu público.
Trazendo essa definição básica da comunicação em massa para um debate atual, estamos falando aqui de acessibilidade e inclusão da comunicação, tema que vem ganhando espaço nos debates nas grandes corporações nos últimos dois ou três anos dentro da ótica da diversidade – mas que ainda é visto como um adicional e não como um compromisso.
Segundo o Censo de 2010 do IBGE, 24% da nossa população declara ter algum tipo de deficiência sensorial, motora ou cognitiva. Além disso, temos um gap educacional básico gigantesco: quase 30% da população possui dificuldade de interpretação de textos e aplicação de conceitos simples de matemática.
Ou seja, temos aí um mar de gente que não consegue acessar ou compreender o conteúdo que chega até ela. Além daqueles que necessitam de serviços específicos como legendas, audiodescrição, dublagem, impressão em Braille ou interpretação em Libras (Língua Brasileira de Sinais), é importante também considerar as pessoas que simplesmente não conseguem entender as mensagens a que têm acesso porque a linguagem não é acessível.
Nas redes sociais, muitos ativistas, especialistas e produtores de conteúdo que possuem alguma deficiência vêm provocando o tema junto a marcas e promovendo campanhas sobre acessibilidade, abrindo um canal direto com as empresas. Há de se notar também um aumento recente no número de vídeos legendados e das imagens descritas nas redes sociais, e isso é um bom avanço. Mas ainda é pouco.
A jornalista Suzeli Damaceno, minha querida colega de faculdade, assumiu como seu grande propósito de vida incentivar e facilitar a circulação do conhecimento. Para isso, ela atua para tentar quebrar as barreiras que afetam a comunicação interpessoal e, por consequência, prejudicam as relações, a saúde, a carreira, a produtividade, os negócios e assim por diante.
Consultora em comunicação acessível e coordenadora do Movimento Web para Todos, Suzeli conta que tem visto grandes corporações optando por caminhos que são vendidos de forma equivocada como mais rápidos e fáceis de tornar sites acessíveis, mas que, na verdade, revelam o real desejo de apenas "se livrarem do problema" e não aprenderem sobre ele para evitar de cometer os mesmos erros. “Enquanto não houver mudança de pensamento e de comportamento para querer investir de fato na diversidade dentro e fora das organizações, continuaremos evoluindo muito lentamente ou até retrocedendo e prejudicando ainda mais as pessoas”, diz Suzeli.
Crédito:Web para Todos
Simone Freire, idealizadora do WPT, fala durante lançamento do Selo de Acessibilidade Digital
Para quem se interessa em entender mais sobre o tema, vale começar com uma série de perguntas que precisam ser feitas: Qual o nível de acessibilidade da sua empresa para as pessoas que possuem deficiências sensoriais, motoras ou cognitivas? Há pessoas com deficiência no comitê de diversidade da sua organização? A linguagem usada na sua empresa é adequada para todos os perfis de funcionários? Pessoas com um grau menor de instrução formal e cultura conseguem entender com clareza os boletins que recebem? Será que eles realmente entendem quando o presidente da empresa fala de forma mais culta e técnica sobre resultados e estratégia?
E tem mais: antes de dar uma palestra ou falar em algum evento, você procura se informar se existem pessoas com deficiência na plateia que precisam de recursos de acessibilidade? Quando vai realizar um evento, seja físico ou digital, considera incluir audiodescrição, legenda em tempo real, interpretação em Libras, peças táteis etc? Quando vai construir um novo site ou aplicativo, sua organização segue as diretrizes internacionais de acessibilidade digital na programação, no design, na usabilidade e no conteúdo para que todas as pessoas, com e sem deficiência, possam navegar por eles com autonomia?
Se a diversidade e respeito são valores fortes para a sua organização, é fundamental a comunicação com seus públicos reflita esses valores. De forma geral, as empresas não podem descuidar de três aspectos quando o assunto é comunicação inclusiva: canal (para que todas as pessoas consigam ter acesso ao conteúdo), mensagem (para que todos compreendam esse conteúdo – as legendas nos vídeos para pessoas com deficiência auditiva, por exemplo), design (para que o conteúdo seja representativo para todos os públicos) e contexto (para que haja acolhimento e ambiente propício para uma boa comunicação).
Tecnologias para isso estão à disposição no mercado e há várias empresas e entidades não governamentais prontas para ajudar quem tiver interesse. Mas esse processo também precisa envolver educação e conscientização. Mesmo que de forma inconsciente, assistimos com frequência discursos (sejam eles a fala de um executivo, uma mensagem interna ou uma campanha publicitária) que carregam preconceitos, estereótipos e termos pouco empáticos e inclusivos. Há muito o que se aprender sobre capacitismo, por exemplo. Quanto mais eu mergulho e busco informações sobre diversidade e inclusão, mais descubro meus vieses inconscientes e vejo o quanto ainda tenho a desconstruir na minha forma de agir e me comunicar.
O Movimento Web Para Todos, idealizado em 2017 pela empreendedora Simone Freire, tem feito um trabalho lindo em prol da promoção da cultura de acessibilidade digital, mobilizando organizações, profissionais e pessoas com deficiência por meio de oficinas, debates, estudos e outras ações. Entre outras atividades, eles produzem relatórios técnicos sobre acessibilidade na web, promovem oficinas e workshops técnicos e de sensibilização para empresas e realizam consultorias para adequação das plataformas digitais. O site do Movimento faz uma curadoria excelente de informações sobre o tema e dá dicas detalhadas para se promover a acessibilidade digital, vale a pena entrar e navegar por lá: https://mwpt.com.br/
Profissionais que atuam na área de comunicação precisam estar atentos a esse movimento pela diversidade e inclusão e batalhar para que suas empresas se tornem efetivamente inclusivas. Realizar uma comunicação acessível tanto no ambiente online quanto no offline é um exercício não apenas de empatia, mas também de cidadania e humanidade.
*Roberta Lippi é sócia da Brunswick Group, consultoria internacional de comunicação estratégica. Jornalista com pós-graduação em gestão empresarial pelo Insper e especialização em comunicação internacional pela Universidade de Syracuse/Aberje, tem 25 anos de experiência na área de comunicação, com foco em posicionamento corporativo, mídia, crises, comunicação interna e treinamento de executivos. É membro desde 2015 do Programa Diversidade em Conselho, iniciativa de B3, IBGC, IFC, Spencer Stuart e WCD para ampliar a diversidade em conselhos de administração.
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