Pensar no futuro parece ser uma atividade natural dos seres humanos. No que toca a este ser humano que vos fala, sempre foi, desde a tenra infância.
A motivação pessoal inicial, acredito, era desejar que o futuro reservasse coisas melhores, interessantes, divertidas e prazerosas, o que já revelava um traço hedonista da minha personalidade.
Mais tarde, como engenheiro que virou publicitário, aprendi a combinar a curiosidade tecnológica com a social, e acabei enveredando pelos caminhos do que se convencionou chamar de futurismo.
Creio que o ‘chamado’ definitivo aconteceu quando li o livro “Reconhecimento de Padrões”, do William Gibson (2003), cuja protagonista era Cayce Pollard, uma ‘coolhunter’. Na ocasião, passei a escrever a coluna “Caçador de Tendências”, mensalmente, para a Revista Marketing. Participei de um evento para criativos em Montevideo e ganhei uma matéria de página inteira no principal jornal do Uruguai sendo apontado como o primeiro coolhunter da América Latina, o que certamente não era verdade, mas nem eu e nem a jornalista conhecíamos outro.
Aproximadamente 10 anos depois conheci o trabalho do CIFS – Copenhagen Institute for Futures Studies. Era um associado da rede global d consultores Sevendots e utilizava os ‘insights’ publicados pelos analistas do CIFS em trabalhos de consultoria.
Quando a instituição chegou no Brasil no final do 2012, conheci o Peter Kronstrøm, o Head Latam, e candidatei-me a ‘associated partner’ no Brasil.
A beleza do trabalho do CIFS está em sua metodologia simples e robusta, e em seu pragmatismo estratégico.
O propósito que anima os profissionais do CIFS é o de ajudar a construir futuros melhores para seus clientes, para a sociedade e para o mundo, aquele mesmo sonho de criança, na versão adulta.
A metodologia, que hoje posso chamar de ‘nossa’, tem como base um processo dialético onde, com a participação dos clientes e referenciados por um conjunto de Megatrends, vislumbramos cenários possíveis e planejamos decisões acionáveis para construção do futuro
Não costumamos fazer previsões para o futuro. Desenhamos futuros possíveis e identificamos os fatores de incerteza mais importantes (‘wild cards’). Nossos clientes se tornam protagonistas dos futuros possíveis, e se preparam para aproveitar as oportunidades oferecidas pelas Megatrends. São como navegadores que conhecem as correntes marítimas e as utilizam a seu favor.
Mas quando somos chamados a falar sobre o futuro de curto prazo, a tarefa é mais simples. A instigante frase de Willian Gibson (aquele mesmo, do livro que inspirou minha trajetória) traduz bem nossa visão: “The future is already here. It's just not very evenly distributed." (O futuro já está aqui. Só não está uniformemente distribuído.).
A pergunta que nos fazemos é: “o que poderíamos capturar deste momento presente que irá ganhar espaço e se consolidar nos próximos dois anos (2019/2020) e que, ao mesmo tempo, pode estar escapando do radar de nossas leitoras e leitores?”
Dentre as milhares de possibilidades, elencamos 6 tópicos mais gerais que consideramos importantes e que merecerão sua atenção nesse período, agrupando-os em 3 temas: Tecnologia, Negócios e Humanidades.
Tecnologia
Esse vasto território é repleto de novidades interessantes. Muitas delas, como a recente disponibilização do Q System One (o primeiro computador quântico comercialmente acessível) pela IBM, têm grande potencial disruptivo mas devem levar mais de um par de anos para impactar a sociedade de forma significativa.
Para o curto prazo, selecionamos duas ‘novidades’ com potencial para evolução exponencial.
Inteligência Artificial Autônoma
Até recentemente, a Inteligência Artificial e o aprendizado das máquinas (Machine Learning) dependiam de programadores para ‘ensinar’ as máquinas a realizarem suas tarefas. O projeto Alpha Zero da Deep Mind (Google) superou essa barreira criando um algoritmo que emula o aprendizado humano em seu princípio mais básico: o aprendizado a partir da experiência própria. No primeiro experimento, o algoritmo foi aplicado a uma máquina para jogar Xadrez. Partindo das regras básicas, jogando contra si mesma milhões de vezes e aprendendo com seus erros e acertos, em poucas horas a máquina se transformou no melhor jogador de Xadrez do mundo, capaz de derrotar humanos e outros computadores com Inteligência Artificial da geração anterior embarcada (esses computadores da geração anterior eram ‘alimentados’ com as partidas e truques dos grandes mestres do Xadrez). Nos próximos dois anos, algoritmos similares estarão resolvendo problemas complexos em diversas áreas da ciência e deverão acelerar o desenvolvimento de várias soluções.
Tecnologia wearable simplificada
Interfaces ‘vestíveis’ para comunicação com dispositivos tecnológicos não são novidade. Óculos, luvas, braceletes, coletes e até exoesqueletos já estão disponíveis no mercado. O filme “Ready Player One” é um bom exemplo da aplicação dessa tecnologia para games de Realidade Virtual. Um pouco mais recentes, os bio-chips (pequenos dispositivos eletrônicos implantados sob a pele) deixaram os filmes de ficção científica e começaram a ganhar notoriedade com algumas aplicações práticas que vão desde localizar o seu pet perdido até facilitar o pagamento de contas, monitorar seu organismo ou liberar pequenas doses de medicamento quando necessário. No meio do caminho está um novo desenvolvimento: os wearable stikers – adesivos ‘vestíveis’ – com tecnologia embarcada.
A primeira geração desses adesivos foi desenvolvida pela Universidade de Purdue (Indiana – USA), inspirada pelos princípios da Internet das Coisas (IoT) e foco no monitoramento de sinais vitais.
A tecnologia aplicada ao monitoramento vem sendo adotada pelas indústrias como um caminho para automatização dos processos produtivos. Sensores conectados aos equipamentos das linhas de produção monitoram seu desempenho e transmitem, via Internet, a informação para centrais de controle de ondem partem, automaticamente, instruções para as máquinas. Você deve conhecer isso como a Internet das Coisas (ou IoT, na abreviação em inglês) e Indústria 4.0.
Os cientistas da Purdue University aplicaram essa ideia ao monitoramento dos sinais vitais das pessoas. O que antes só poderia ser feito num consultório médico ou num laboratório clínico, agora pode ser realizado com um pequeno adesivo (wearable stiker) que funciona como um sensor de seus sinais vitais, que são captados e interpretados por um aplicativo no seu smartphone.
Caso os indicadores apontem para alguma ‘anormalidade’, o aplicativo avisa você e pode enviar a informação imediatamente para seu médico ou para seu serviço de diagnóstico (um modelo de negócio que ainda não existe, mas que os laboratórios médicos e hospitais de ponta já devem estar desenvolvendo).
O mais interessante é que a tecnologia utilizada (adesivos de celulose e aplicativos para celular) é tão acessível que até mesmo os serviços públicos de saúde poderão adota-la, o que é um grande incentivo para o desenvolvimento de aplicações em outras áreas no curto prazo.
Negócios
A economia global enfrentará desafios significativos nos próximos dois anos e o quadro geral é de indefinição, particularmente em função dos acontecimentos recentes que vêm tendo como protagonistas a China, os Estados Unidos e os líderes do mercado europeu.
O Brasil começa o ano com um otimismo cauteloso, mas que já rende frutos para o mercado financeiro.
Evitando o lugar comum, selecionamos dois tópicos interessantes, com grande potencial para geração de negócios.
Menos dinheiro para startups e mais para infraestrutura
Os dois principais ‘drives’ para o investimento em startups tecnológicas nos últimos anos vêm sendo a possibilidade de descobrir e participar dos novos ‘unicórnios’ (startups que valem mais de um bilhão de dólares) e a terceirização da inovação. A febre dos fundos de investimento em tecnologia já diminuiu, a seleção tende a ser cada vez mais rigorosa e o modelo de ecossistemas de inovação parece ser o formato mais seguro.
No Brasil, o Cubo do Itaú e o InovaBra do Bradesco são os exemplos mais frequentemente lembrados com ecossistemas de inovação de constituição privada no Brasil. Mas existem outros, sendo alguns deles abrigados em Universidades, inspirados pelo modelo norte-americano.
Apesar de todo esse suporte, a taxa de mortalidade das ‘startups’ não é menor do que qualquer pequeno negócio. Na verdade, seria maior, não fosse o apoio e os investimentos recebidos durante seus primeiros anos de atividade. A principal razão para isso é que um pequeno negócio ‘tradicional’ costuma nascer inspirado por algum modelo de negócio existente e consolidado, enquanto as ‘startups’ digitais nascem inspiradas por uma ideia criativa inovadora (pelo menos em tese) e buscam um modelo de negócio escalável, o que torna a incerteza maior.
Vale mencionar uma curiosidade. Apesar da grande diversidade das atividades, três categorias reúnem quase 50% das estrelas. De acordo com um levantamento efetuado pela StartSe em 2017, aproximadamente 20% dos unicórnios atuam com e-commerce, 13% com software e serviços de Internet e 11% são Fintechs (fundos de investimento em negócios de tecnologia. Estamos falando de comércio, financeiras e soluções de suporte para negócios, ou seja, nada disruptivo.
Se acompanharmos a lista dos unicórnios da nova economia, daremos ainda mais razão ao Westerman. Airbnb e WeWork alugam imóveis; Uber, Cabify e 99 equivalem a serviço de Taxi, e menos de 10% dos unicórnios poderiam ser classificados como puramente tecnológicos ou disruptivos em seu modelo de monetização.
Em síntese, poder-se-ia dizer que os modelos de negócio digitais são predominantemente lastreados por negócios tradicionais, alavancados pelo aporte da tecnologia, e os potenciais investidores já se deram conta disso. O mercado já vem reajustando o valor das empresas de acordo com essa perspectiva.
Mesmo a China, que ultrapassou os Estados Unidos em número de unicórnios no ano passado, começa a ver no investimento em infraestrutura dos países em desenvolvimento oportunidades mais interessantes e seguras.
Isto não significa que os investimentos em tecnologia irão desaparecer. Serão mais ponderados e dividirão a atenção com os investimentos em infraestrutura.
Crédito:Divulgação / Pulse Flavio Ferrari
Neo-moedas digitais ‘funcionais
E o mundo digital nos trouxe, nesta última década, as criptomoedas. Uma criptomoeda é um meio de troca criado e controlado coletivamente no ambiente digital, que utiliza a criptografia como forma de segurança e, na maioria dos casos, o sistema ‘blockchain’ para validar as transações e controlar a criação de novas unidades da moeda.
O ‘bitcoin’, criado em 2009, foi a primeira e é a mais famosa das criptomoedas. Hoje existem mais de 5.000 criptomoedas diferentes, mas o bitcoin ainda responde por algo em torno de 56% do total de transações e outras 20 criptomoedas concentram 35% (ou seja, as demais 5 mil moedas movimentam menos do que 10% desse mercado).
Participar de uma rede de criptomoedas não costuma ser uma decisão prática associada à facilitação dos processos de troca do dia a dia. Para isso já temos a moeda convencional. As três principais motivações são, de forma geral, a especulação (ganhar dinheiro com a valorização), o anonimato das transações (não passam por instituições “oficiais”) e o apoio à “causa” dos criadores.
Entretanto, algumas das novas criptomoedas em gestação pretendem oferecer benefícios adicionais, quase opostos ao “anonimato” da bitcoin, como a gestão de contratos ou o controle de fluxo de informações e documentos relacionados com as transações comerciais. A moeda passa a estar ‘lastreada’ pelo serviço que oferece, e essa é uma grande novidade.
Quando o objetivo é apenas a especulação, com ganhos de curto prazo, observar o comportamento da Deep Web talvez seja, ainda, a melhor forma de fazer dinheiro rápido (a Dash e a Monero vem sendo indicadas como potenciais sucessoras da bitcoin no cibersubmundo).
Mas se estamos pensando no futuro de forma sistêmica e sustentável, as neo-moedas digitais que oferecem serviços adicionais para facilitação das transações, e agregam valor ao processo, terão mais chance de se estabelecer, lastreadas por esses serviços.
Facilitar transações de forma colaborativa vem sendo a receita de sucesso de praticamente todos os negócios bem-sucedidos no mundo digital.
Humanidades
Questões sociais e humanitárias têm ocupado os palcos dos eventos tecnológicos com frequência crescente. Está claro que as transformações sociais são tão determinantes para o futuro quanto as novidades do mundo digital.
A constatação de que o Brasil é um país predominantemente ‘conservador’ causou a surpresa de muitos no ano passado. A mudança concreta foi a ‘autorização’ para manifestação de opiniões conservadoras, um discurso que andava cerceado pela onda ‘liberal’ e pelo estigma do ‘politicamente correto’.
Elencamos duas consequências imediatas desse passado recente, que deverão ter forte influência no futuro próximo.
Busca do propósito como causa pessoal (‘be yourself’)
O recrudescimento da polarização das posições em relação a temas sociais e políticos produziu um clima generalizado de decepção e de momentânea desesperança em relação a causas coletivas, acentuando o Individualismo.
As características do momento interrompem o declínio do individualismo para o curto prazo e reforçam o movimento de busca de propósito como causa pessoal. Devemos esperar que as pessoas intensifiquem sua atenção e dedicação ao desenvolvimento pessoal (cursos profissionais, jornadas espiritualizadas, projetos pessoais).
O poder prateado (empowering the silver generation)
Há algum tempo vem se falando da geração prateada (uma alusão aos cabelos grisalhos), principalmente em decorrência do aumento global da longevidade. Os profissionais de marketing e da área de saúde são, possivelmente, os que mais vêm se dedicado a estudar o público acima de 60 anos (talvez 55 anos, no Brasil). É fácil perceber, entretanto, que boa parte da comunicação para esse público explicita a percepção preconceituosa de seu menor valor social.
Os eventos do ano passado, contudo, podem ter contribuído para uma mudança significativa na atitude dessa geração no Brasil, com impactos de curto prazo.
De um lado, a busca do propósito como causa pessoal (mencionada no tópico anterior), que também vale para essa geração, estimula o questionamento das expectativas sociais que se contrapõem aos desejos pessoais. De outro, as discussões fomentadas pelas eleições presidenciais do ano passado, promoveram um conflito geracional e o resgate de valores mais comuns a essa geração, que se manifestou veementemente durante e após o processo eleitoral.
Esses dois fenômenos, associados à vitória do candidato tido como conservador, parecem haver promovido um despertar da geração prateada, que reconquistou seu ‘lugar de fala’ e ganhou consciência de seu poder de realização. Abriu caminho para deixar de ser socialmente marginalizada e reassumir o papel de protagonismo, particularmente no curto prazo.
Deverá, no entanto, enfrentar o conflito entre seus desejos e a própria visão conservadora.
*Equipe do CIFS | BR
Fátima Rendeiro, Luiza Pastor, Marcelo Nascimento, Jesper Rhode, Flavio Ferrari, Peter Kronstrøm
O Copenhagen Institute for Futures Studies dá suporte ao processo decisório contribuindo com conhecimento e inspiração desde 1970. O objetivo do CIFS é fortalecer as bases do processo decisório em organizações públicas e privadas, criando conscientização sobre o futuro e evidenciando sua importância para o presente.
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